“Não peço que os tires do mundo, e sim que os guardes do mal” — Jo 17:15.
No viver diário, nós, cristãos, conseguimos perceber nitidamente e sentir fortemente a pressão que o mundo impõe sobre os filhos de Deus. A estratégia de Satanás é usar a fraqueza do homem.
Nesse contexto, o capítulo 4 do evangelho de Mateus narra o episódio da tentação de Jesus e vemos que Satanás atacou possíveis fraquezas do Salvador (aqui lembramos que o Senhor venceu o Maligno como homem e não como Deus):
1) ele atacou o Senhor quando Este teve fome, incitando-O a transformar as pedras em pães;
2) o Maligno tentou o Senhor quanto à Sua autoridade, quando O incitou a atirar-Se do pináculo do templo para que os anjos O salvassem. Como Deus, Ele possui autoridade sobre os anjos, porém estava impedido de exercê-La em prol do Seu plano de salvar o homem;
3) por fim, ele tentou Cristo quanto ao Seu reino, ao oferecer-Lhe os reinos do mundo, se prostrado, Jesus o adorasse.
Dessa forma, vemos que Satanás ataca especificamente nas fraquezas do homem, não de forma genérica, e ele usa tudo o que está à nossa volta e está sob seu domínio. Por isso, precisamos estar sempre atentos, pois estamos mergulhados em um ambiente dominado pelo Maligno, porém não fazemos parte dele (Jo 17:15-16).
Para que possamos viver neste mundo sendo guardados do mal, o Senhor, com o Seu grande amor, nos deixou a Bíblia que é repleta de princípios maravilhosos e muito práticos. Neste artigo serão abordados 5 princípios bíblicos para vencermos o mundo, que serão associados a personagens bíblicos que viviam em um ambiente maligno hostil e conseguiram vencer.
–
1. Cavar poços – Isaque
Em Gênesis 26 há um relato interessante sobre a estadia de Isaque na terra dos filisteus. Ele estava numa terra que não era sua, que pertencia a um povo invejoso e que não temia a Deus. Após um desentendimento com o rei dos filisteus por causa de sua esposa (Gn 26:7-11), Isaque prosperou naquela terra e ficou riquíssimo (vs. 12-13), o que despertou a inveja daqueles homens.
Por causa desse sentimento, entulharam todos os poços que os servos de Abraão tinham cavado, obrigando Isaque a mudar de terra (vs. 16-17). Tornando a cavar os poços, aqueles homens, ainda assim, os entulhavam todos (vs. 18-21). Porém Isaque não desistia de cavar poços, até que conseguiu cavar um poço o qual não foi entulhado (v. 22) e logo após o Senhor reafirmou Sua aliança com ele (v. 24).
A água, na Bíblia, tipifica a vida de Deus (Jo 7:38). À luz da experiência de Isaque, vemos que precisamos de vida (água) para vencer o mundo, porém, para isso é necessário cavar poços e não desistir. Sabemos que precisamos de vida, mas temos cavado poços? Temos procurado profundamente essa vida? Se sim, será que desistimos na primeira vez que o mundo “entulha” nosso poço?
Diante disso, o primeiro princípio para vencer o mundo é cavar poços. Um exemplo prático é o invocar. Muitas vezes invocamos uma vez e parece que nada acontece. Ainda assim, precisamos continuar invocando. Precisamos invocar até achar a vida: “Ó Senhor Jesus! Ó Senhor Jesus!”.
Podemos invocar várias e várias vezes até que a vida enche nosso ser. Dependendo do entulho do poço, precisa-se cavar mais. Da mesma forma, às vezes estamos tão entulhados que aparentemente invocar uma ou duas vezes não funciona. Mas não podemos desistir. Precisamos perseverar em achar a vida de Deus:
“Buscar-Me-eis e Me achareis quando Me buscardes de todo o vosso coração. Serei achado de vós, diz o Senhor, e farei mudar a vossa sorte” — Jr 29:13-14a
–
2. Erguer muros em unidade – Neemias
Outro personagem bíblico que nos ensina a vencer o mundo é Neemias. Mesmo com a edificação de um templo suntuoso, Jerusalém era constantemente invadida e assolada pelos povos em redor. Neemias se prostrou diante do Senhor por essa situação (Ne 1:4) e a luz do Senhor o iluminou, mostrando que era preciso reedificar os muros da cidade (Ne 2:17). Para o povo deixar de ser opróbrio, ou seja, vergonha das nações, os muros precisariam ser reedificados e tampadas todas as brechas (Ne 4:7).
Mesmo estando no cativeiro da Babilônia, o Senhor lhe concedeu graça diante do rei. Porém, para que a reedificação fosse possível, houve a participação do povo em unidade. O capítulo 3 de Neemias fala dos que trabalharam na reedificação dos muros e vemos ali um reparando ao lado do outro. No capítulo 4, versículo 6, fala que o povo tinha ânimo de trabalhar e não apenas uma pessoa.
Dessa forma, o segundo princípio que apresentamos aqui é erguer muros em unidade. Precisamos de muros, de proteção contra os ataques mundanos. Esse muro não pode ter brechas. Ou seja, nossa vida não pode ter brechas para o Maligno entrar. Porém, só conseguimos esse “muro” com brechas fechadas, em unidade. Precisamos ajudar-nos uns aos outros nisso, jamais ficar uns contra os outros. Cada um ajuda a reparar o muro. Ao mesmo tempo que essa proteção tem reflexos na vida individual de cada um, ela é uma proteção coletiva. Um membro do Corpo desprotegido afeta o Corpo inteiro. Ou seja, esses muros protegem a igreja e, por isso, precisamos uns dos outros para a eficácia desse muro protetor.
“Para que, ou indo ver-vos ou estando ausente ouça, no tocante a vós outros, que estais firmes em um só espírito, como uma só alma, lutando juntos pela fé evangélica” — Fp 1:27b
–
3. Posicionar-se quanto à alimentação – Daniel
O jovem Daniel é outro exemplo sobre como proceder num ambiente de hostilidade ao povo de Deus. Tendo sido Jerusalém sitiada pelo rei da Babilônia, Daniel foi levado para dentro do palácio real, juntamente com outros jovens israelitas para que aprendesse a cultura e a língua dos caldeus (Dn 1:4). Estejamos atentos que Daniel teve o melhor do mundo ao redor à sua disposição, ele estava no coração do governo caldeu, dentro do palácio, mas ainda assim Deus o iluminou para que enxergasse a hostilidade do inimigo ali.
O versículo 8 do capítulo 1 diz que Daniel resolveu firmemente não contaminar-se com as finas iguarias do rei. Ele foi firme e foi intrépido, pois pediu ao chefe dos eunucos para não contaminar-se. Deus lhe concedeu misericórdia e compreensão por parte deste último (v. 9). O resultado foi que, por terem Daniel e seus amigos se sobressaído aos outros jovens devido à alimentação deles, todos os outros passaram a ter a mesma alimentação.
Obtendo luz da experiência de Daniel, vemos que, para vencer o mundo, precisamos ter uma boa alimentação. Porém, o mundo oferece “banquetes” para os jovens se alimentarem e se afastarem da verdadeira comida. Por isso, para ter uma boa alimentação, precisamos de posição, precisamos ser firmes. O resultado disso será que influenciaremos muitos por causa do nosso testemunho, assim como Daniel e seus amigos serviram de modelo para mudar a alimentação dos demais jovens.
“Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e igualmente Eu vivo pelo Pai, também quem de Mim se alimenta, por Mim viverá” Jo 6:57
–
4. Oração e humildade – Ester
A situação de Ester se assemelha à de Neemias e de Daniel: ela estava dentro do palácio. Falaremos aqui de Ester após ter se tornado rainha, esposa do rei Assuero, um homem conhecido por sua crueldade. Esse rei havia mandado matar sua ex-esposa por esta tê-lo contrariado. Quando, influenciado por Hamã, o rei Assuero decretou a morte dos judeus (Et 3:12-13). Ester, sendo esposa desse rei e conhecendo seu temperamento, com muito temor e ouvindo os conselhos de alguém mais maduro e que cuidara dela (4.13-14), comprometeu-se a interceder pelo seu povo diante do rei, porém pediu que o povo a cobrisse em oração e jejum por 3 dias. Ela mesma também o fez (v. 16).
Antes de agir, Ester orou e jejuou pelo seu povo e com o povo. Após isso, ela revestiu-se de humildade para lidar com rei: ela vestiu-se de trajes reais e ficou à vista do rei, não ousando falar, mas buscando encontrar favor perante ele (5:1-2). Depois, ao conseguir falar com o rei, não lhe disse o que queria, mas convidou-lhe para um banquete (v. 4), a fim de agradar seu coração, não apenas uma vez, porém duas (v. 8). Durante o segundo banquete, ainda com muita sabedoria e humildade, Ester falou ao rei e intercedeu pelo povo de Israel (7:1-4).
Diante da experiência de Ester, vemos que sua sabedoria foi revestida de humildade e isso foi possível por sua consagração em oração, não apenas individual, mas com o povo. Com humildade e mansidão, Ester constrangeu o coração de um rei violento. Da mesma forma, podemos conquistar corações violentos das pessoas do mundo com humildade. Mas essa humildade só pode vir pela oração, pois ela não faz parte da natureza humana. Eis o quarto princípio: oração e humildade.
“Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” Cl 3:12
–
5. Vida divina – Jesus Cristo
No Novo Testamento, temos a figura de alguém que praticou todos esses princípios e que reunia muito mais virtudes ainda: Jesus Cristo. Cristo possuía vida em abundância para nos dar (Jo 10:10) e Ele a cavou no Getsêmani a ponto de suar sangue para ter forças para morrer por nós, até que Sua boca renunciou à Sua vontade pela vontade do Pai (Mt 26:39; Mc 14:36; Lc 22:42).
Vemos aqui que o Senhor não desistiu de orar até ter forças para cumprir o que fora determinado por Deus. Os discípulos, que até então não possuíam essa vida em si, não tiveram forças suficientes para continuar cavando e adormeceram. Porém, diferentemente deles, nós possuímos a vida divina em nós e ela é que nos leva a perseverar. Ou seja, por um lado a vida divina é nosso objetivo, por outro, ela é o meio pelo qual temos força para prosseguir cavando.
Também não se discute que Jesus possuía uma barreira que o separava do mundo, por isso Ele foi nosso Cordeiro sem defeito (1 Pe 1:19). Essa barreira era a própria vida divina. Cristo viveu na terra por meio da vida divina e essa vida era tão abundante que o separava do mundo. O princípio aqui, portanto, é usar a vida como nossa barreira.
Essa vida precisa ser constantemente “cavada” para que haja mais e mais vida. Quanto mais e mais vida, mais “espessa” fica nossa barreira contra o mundo. Em situações de conflito, quanto mais invocarmos, mais naturalmente seremos separados do que pode nos contaminar. Quanto mais cavarmos a Palavra, mais ela nos constrangerá, atuando como essa “barreira”, esse “muro” que nos separa do mundo.
Por outro lado, em Seu ministério na terra, Cristo não atuou sozinho, Ele chamou discípulos, os quais chamou de apóstolos (enviados). Aqui vemos o princípio da unidade para a restauração dos muros. Jesus mantinha intensa e constante comunhão com os discípulos e não executou Sua obra sozinho, mas houve a participação de cada companheiro espiritual de Cristo.
Jesus também se alimentava da verdadeira comida (Jo 4:34) e era totalmente posicionado, a ponto de entregar Sua vida para fazer a vontade de Deus, que era o seu alimento. Quando foi tentado, Cristo venceu a todas as tentações do Maligno com a Palavra. Ele é a Palavra (Jo 1:1,14); a Sua constituição é a Palavra de Deus.
Quanto a nós, da mesma forma que o alimento que consumimos se torna parte de nossa constituição corporal, quanto mais comermos a Palavra, mais ela também será nossa constituição. Podemos, assim como Cristo, ser a expressão viva da Palavra escrita se comermos dela, pois esse verdadeiro alimento faz crescer a vida divina em nosso interior, até que ela se torne nossa constituição e, então, viveremos por ela. Se formos constituídos (no sentido de sermos formados) da Palavra de Deus como vida para nós, como um alimento que nos move, teremos posição suficiente para vencer o Maligno.
Nosso Salvador também era alguém que orava muito, a ponto de ser o único capaz de ensinar uma oração perfeita (Mt 6:9-13). Por muito orar, sendo Deus, não usou como usurpação o ser igual a Deus, mas humilhou-Se até a morte (Fp 2:5-8) e lavou os pés dos discípulos, dando-nos exemplos de humildade (Jo 13:14-15). Há inúmeras passagens bíblicas sobre a humildade de Cristo, sendo Ele o próprio Deus.
Hoje, por meio da vida divina, podemos ter o mesmo sentimento que houve em Cristo (Fp 2:5), que se esvaziou e humilhou (vs. 7-8). Somente essa vida pode praticar tamanha humildade e somente por meio dela podemos orar, pois não sabemos orar como convém (Rm 8:26). Precisamos da intercessão dessa vida, que é o Espírito que habita em nós para orar segundo a vontade de Deus. Nessa oração, feita por intercessão dessa vida, lançaremos nossa ansiedade sobre Ele (1 Pe 5:7) a ponto de estarmos vazios o suficiente para nos humilharmos (v.6).
O ponto crucial na experiência de Cristo é que Ele reuniu em Seu viver todos os princípios bíblicos apresentados aqui e outros também. Isso foi possível porque Cristo possuía a vida divina. Mesmo sendo o próprio Deus, Ele agiu sempre como um homem com a natureza divina, a qual Ele dispensou a nós em Sua ressurreição, ao nos regenerar (1 Pe 1.3). Quando Cristo ressuscitou, Deus nos gerou. Temos a vida de Deus, somos nascidos de Deus e isso se concretizou ao crermos (Jo 1.12-13). Ou seja, todos esses princípios são acessíveis a nós pois a vida que os fundamenta está dentro de nós.
O quinto e derradeiro princípio, portanto, é a vida divina. Por causa de Cristo, temos todos os princípios para vencer o mundo dentro de nós, pois todos eles estão incluídos em Sua vida. Cristo abriu a porta para vencermos como Ele venceu.
“Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em Mim. No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; Eu venci o mundo” — Jo 16.33.
–
Conclusão
Graças a Deus pela vida divina, que habita em nós! Apenas por termos essa vida, e somente por isso, temos capacidade de praticar todos esses princípios diariamente. Eles não estão contidos em nossa natureza humana, mas nós os recebemos todos através da vida que entrou em nós ao crermos. Nela, encontramos:
- força suficiente para cavar água da vida quando estivermos em sequidão;
- uma barreira protetora contra o sistema mundano, que é essa própria vida;
- alimento espiritual saudável, que nos mantém firmes e posicionados;
- humildade, e por meio dela podemos ter uma oração eficaz;
- Jesus Cristo, o Autor da nossa fé. Todas as Suas virtudes, que expressam atributos divinos necessários para que vençamos o mundo, estão acessíveis a nós!
Amado leitor, o intuito desse texto é mostrar que tudo o que precisamos para vencer o mundo encontra-se acessível a nós por causa de Cristo. Por isso, nunca nos sintamos desanimados. Lembremo-nos que Aquele que começou a boa obra em nós há de completá-la (Fp 1.6). Quando estivermos fracos, Ele mesmo nos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar, pois é Deus de toda graça, e já nos chamou para Sua eterna glória, em Cristo (1 Pe 5.10). Que todos sejamos encorajados a vencer o mundo!
“Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão” Jo 10.28a