Breve história de Watchman Nee

“Eu não desejo nada para mim mesmo, eu desejo tudo para o Senhor” (Watchman Nee).

Quem foi Watchman Nee?

Watchman Nee nasceu como Nee Shuttsu em Foochow, China, em 1903, na terceira geração de cristãos da família. Seu avô paterno foi o primeiro pastor congregacional na província do norte de Fukien. Seu pai estudou na Faculdade Americana Metodista de Foochow e sua mãe foi educada na Escola Ocidental Chinesa para Meninas em Shangai.

Nee se destacou na Anglican Trinity College em Foochow. Após ser salvo, em 1920, ele adotou o nome inglês “Watchman Nee” e chinês “To-sheng”, que significa “o som do chocalho de um vigia”. Através da missionária Margaret E. Barber, ele obteve os fundamentos da sua vida espiritual. Em 1934, Watchman Nee casou-se com Charity Chang, todavia, não tiveram filhos.

A pregação de Nee levou Foochow a um reavivamento espiritual em 1923. Depois disso, ele trabalhou diligentemente para ministrar as grandes verdades da Bíblia. Ele construiu um centro de treinamento e realizou conferências para o aperfeiçoamento da busca dos crentes. Deu suporte financeiro aos cooperadores cristãos e aos santos com necessidade.

Em 1949, ele já tinha sido usado para levantar centenas de igrejas locais – uma em cada grande cidade das trinta e três províncias da China. Muitas de suas mensagens foram compiladas em forma de livro, produzindo um verdadeiro tesouro da literatura cristã. Seus escritos e hinos até hoje ministram ao coração dos cristãos.

Durante sua vida cristã, Nee sofreu constantes perseguições religiosas e políticas que culminaram na sua prisão em 1952. Ainda assim, ele permaneceu firme no seu testemunho até o fim. Ele morreu como mártir de Jesus Cristo em 30 de maio de 1972. Escritas apenas horas antes de sua morte, em mãos trêmulas, foram essas suas palavras finais:

eu morro porque creio em Cristo.”

Watchman Nee possuía uma profunda consciência acerca da guerra, normalmente invisível, que se instalava entre Deus e Satanás sobre a  humanidade. Como uma voz declarando a verdade sobre Cristo nas trevas espirituais da China, Nee escreveu em um hino [1]: “as forças do inferno reúnem todos os seus poderes para provocar a tempestade mais violenta”. Esta guerra torna-se mais forte, mais intensa, mais difícil e mais amarga no final.

Se a verdade desse hino serve para desmascarar a estratégia de Satanás de desencorajar o povo de Deus, serve também para despertá-los de qualquer confusão, sonolência e indiferença em relação à luta. Alguns cristãos podem ser chamados para falar a milhares ou a sofrer em prisões por causa de sua fé, assim como aconteceu com Nee. Porém, cada um tem uma importante oportunidade de experimentar e testemunhar a vida vitoriosa de Cristo na sua rotina diária. Nós estamos cercados de pessoas que precisam desesperadamente ver Cristo sendo expressado através de nós. Este é o nosso campo de batalha até que, finalmente, “a canção do triunfo se inicie!”

Como soldados do exército de Cristo, qual deveria ser nossa atitude diante dessa invisível, todavia tão real, guerra? Nee nos exorta a nos encorajarmos porque o Senhor Jesus logo vem; a cantar, porque Ele está próximo; e a nos alegrar, porque nós temos maior poder para testemunhar. Cativados pela Sua gloriosa volta e motivados pela recompensa destinada aos futuros vencedores, nós “seguiremos em frente, fortalecidos na sua poderosa força”.

Ventos de Mudança

Na primeira metade do século XX, a China foi atingida pela turbulência dos ventos de mudança. O redemoinho de controvérsias girava em torno de múltiplas frentes: política, econômica, cultural e religiosa. O governo democrático recém-formado confrontou o antigo governo autocrático chinês, enquanto o capitalismo rivalizava com a filosofia comunista pelos corações e mentes da geração jovem. O crescimento da influência ocidental sofreu forte resistência de uma antiga cultura social que procurava manter a China fechada ao mundo moderno. Os seguidores do Budismo passaram a desafiar os avanços da fé cristã, em uma época marcada por questionamentos, tensões e confrontos.

Ainda assim, Watchman Nee tinha uma visão mais profunda sobre os conflitos aparentes. Diante da superfície instável, ele viu que a verdadeira batalha era para que essa geração fosse salva, isto é, em jogo estavam as milhões de almas na China e o testemunho de Cristo nesta vasta terra.

O conflito de hoje é feroz

Enquanto caía a noite sobre a cidade de Foochow, China, um conflito espiritual surgiu no coração do jovem de dezessete anos, Watchman Nee:

“Eu experimentei alguns conflitos na minha mente sobre aceitar ou não o Senhor Jesus como meu Salvador e sobre me tornar ou não um servo do Senhor. Naquele momento eu estava com medo de ser salvo, pois eu sabia que uma vez que eu fosse salvo, eu deveria servir ao Senhor.

Na noite de 29 de abril de 1920, eu estava sozinho no meu quarto. Eu não estava com a mente em paz. Minha primeira inclinação foi a não crer no Senhor Jesus e a não ser um cristão. Contudo, isso me deixou interiormente desconfortável. Então, eu me ajoelhei para orar. No primeiro momento, eu não tinha palavras para orar. Mas, eventualmente, vários pecados vieram diante de mim e eu percebi que eu era um pecador.

Eu me vi como um pecador, mas também vi o Salvador. Eu vi a imundície do pecado, todavia também vi a eficácia do precioso sangue do Senhor me limpando. Eu vi as mãos do Senhor pregadas na cruz, e ao mesmo tempo O vi esticando os braços para me receber. Inundado por tal amor, eu não podia rejeitar, então eu decidi aceitá-Lo como meu Salvador. Eu chorei e confessei os meus pecados, buscando o perdão do Senhor.

Depois de fazer minha confissão, o fardo dos pecados foi descarregado, e eu me senti flutuando e cheio de alegria e paz interior.”

Da ambição à consagração

Antes do seu nascimento, Nee já havia sido consagrado ao Senhor por sua mãe, que fazia parte da segunda geração de cristãos da família. Após dar a luz duas meninas, ela fez um acordo com Deus, dizendo: “Se eu tiver um menino, eu o apresentarei ao Senhor.” Sua oração foi atendida em 1903 quando Watchman Nee nasceu. Ela não fazia ideia de quão usado o seu consagrado presente seria na obra do Senhor na China e além.

Nee era um indivíduo de dons, possuindo memória fotográfica. Raramente estudando para as provas, ele constantemente tirava as notas mais altas. O jovem estudante sabia que seu futuro seria brilhante e ele tinha ambições de adquirir tanto a fama quanto a fortuna. Uma vez salvo,  seus  anseios, antes voltados a atividades deste mundo, agora estavam direcionados ao serviço a Cristo (P.112)

Todavia, apesar dos seus esforços para trazer centenas de colegas de classe a Cristo, ele não era levado a sério! Então, por meio da comunhão com a Senhorita Groves, uma missionária, ele descobriu qual era o obstáculo:

eu imediatamente comecei a lidar com os meus pecados, fazendo restituições, pagando dívidas, me reconciliando com meus colegas de classe. Entre 1920 e 1922, eu fui a pelo menos duzentas ou trezentas pessoas para confessar minhas ofensas.”

Nee também passou a orar diariamente pelos seus colegas de classe e, algum tempo depois, todos os setenta estudantes que tiveram seus nomes escritos em seu caderno foram salvos, com exceção de um.

Mesmo assim, Nee ainda ansiava estar “cheio do Espírito Santo para trazer mais pessoas ao Senhor”. Devido à sua comunhão com a missionária Margaret E. Barber, Nee se convenceu de que havia uma questão ainda mais profunda entre ele e o Senhor. Após relutar, Nee sentiu que seu amor por uma garota chamada Charity Chang – filha de amigos da família há três gerações – precisava ser rendido.

Ele confessou: “quando eu conversei com ela sobre o Senhor Jesus e tentei persuadi-la a crer, ela riu de mim. Eu devo admitir que eu a amava, porém, ao mesmo tempo, a risada que ela deu do Senhor que eu acredito, me fez sofrer. Na época eu me questionei se ela ou o Senhor teriam o primeiro lugar no meu coração.”

“Um dia, Salmos 73:25 apareceu diante dos meus olhos ‘Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra.’ Após ler essas palavras, falei a mim mesmo: ‘o autor desse salmo consegue dizer isso, mas eu não.’”

O jovem Nee fez todo o esforço possível para se distrair das palavras que o Senhor falou a ele acerca de Charity. Ele relatou:

eu pedi a Deus para ser paciente comigo e me dar forças até que eu pudesse abrir mão dela. Eu  clamei  a Deus para adiar o tratamento desse ponto, mas Deus nunca discute com as pessoas. Considerei ir a fronteira desolada do Tibete para evangelizar e sugeri realizar muitas outras obras a Deus, esperando que Ele não trouxesse de volta a questão de eu abrir mão da pessoa que amava. Todavia, uma vez que o dedo de Deus aponta para algo, Ele não volta atrás. Não importou o quanto eu orei, eu não conseguia passar por isso. Eu orava constantemente, na esperança de que minhas súplicas pudessem mudar a mente de Deus. (P.114)

Profundamente convencido, Nee atendeu ao chamado do Senhor para não ter na terra ninguém além Dele. Mais tarde, ele declarou:

eu estava cheio do Seu amor e disposto a abrir mão da pessoa que eu amava.”

A obediência veio seguida por uma euforia.

Um dia, eu estava no segundo céu, se não no terceiro. O mundo pareceu menor pra mim, e era como se eu estivesse montado nas nuvens. Na noite da minha salvação, o fardo dos meus pecados foi embora, mas naquele dia, 13 de fevereiro de 1922, quando eu deixei ir a minha amada, meu coração se esvaziou de tudo aquilo que anteriormente me ocupava.”(P.114)

Logo depois, Nee e outros expandiram a obra do evangelho e “inúmeras centenas de pessoas foram salvas ao mesmo tempo”. Além disso, o amor terreno que Nee crucificou no passado em seu coração estava agora de volta para ele através da ressurreição do Senhor. Depois de 10 anos, Charity também creu em Cristo e um novo amor divino foi reacendido entre eles. Eles casaram em 1934 e ela provou ser a auxiliadora idônea da qual ele precisava.

Vivendo por fé

Ao longo de sua vida, Watchman Nee sofreu diversas doenças físicas. Com apenas 21 anos de idade, ele contraiu tuberculose. Ele chegou tão perto da morte que o médico o aconselhou a colocar todas as suas pendências em ordem, porque ele provavelmente não passaria da noite. Circularam rumores que ele já teria morrido. Mas pela fé na palavra de Deus, ele foi milagrosamente curado naquela noite e todos os sinais da doença desapareceram para sempre.

Nee acreditava que mesmo que suas doenças fossem intensos ataques espirituais, eram elas permitidas por Deus. Quando ainda estava acometido seriamente de sua doença, ele escreveu:

“o que eu experimentei durante minha enfermidade foi o mais proveitoso. Desde o início eu orava para que eu pudesse ganhar algo daquela situação que eu estava passando, pois eu não estava disposto a adoecer por nada”. (P.115)

Mesmo tendo sido milagrosamente curado da tuberculose, Deus permitiu que lhe sobreviesse uma grave doença de coração chamada angina. Durante o resto de sua vida, ele permanecia consciente da sua fragilidade humana. Como o espinho de Paulo, que o limitava, essa implacável condição do coração de Nee tirava-lhe as forças, fazendo com que ele contasse com a graça do Senhor.

Certa vez, ele estava tomado de grande dor enquanto liberava a mensagem; suando, precisou se apoiar no púlpito para terminar de falar. Depois,  só restou se deitar na cama com dores. Durante todas essas físicas tribulações, ele ressaltava os aspectos positivos sobre essas circunstâncias de sua vida, dizendo que

um crente não pode nunca permanecer o mesmo após passar por sofrimentos.”(P.115)

Como alguém que vivia por fé, Watchman Nee também teve várias experiências em confiar no Senhor para suprir suas necessidades financeiras. Em uma mensagem, ele contou uma história sobre levar sua preocupação em relação a provisão para as despesas da sua viagem missionária ao Senhor.

Quando chegou o momento de partirmos (da capital da província de ônibus) ainda não tínhamos dinheiro em mãos (para comprar a passagem). Eu fiz minhas malas como era usual e contratei um carrinho de duas rodas. Quando estávamos já a aproximadamente 40m de distância, um senhor veio de trás gritando: Senhor Nee, por favor, pare. Após me entregar uma sacola de comida e um envelope, o senhor partiu. Eu estava tão grato pelo arranjo de Deus que meus olhos encheram de lágrimas. Quando abri o envelope, encontrei 4 dólares dentro, exatamente a quantia que precisava para pagar a passagem do ônibus.” (P.116)

Ele explicou que ele sentiu o diabo o importunando a não confiar no Senhor em cada trecho do caminho. 

“O diabo ficava falando pra mim, ‘você não vê como isso é perigoso?’ eu respondi, ‘eu realmente estava um pouco ansioso sobre, mas não é de modo nenhum perigoso, porque Deus tem suprido todas as minhas necessidades a tempo.’ Depois de chegar em Amoy, um outro irmão me deu uma passagem de volta.

Ele então concluiu:

“eu posso testemunhar hoje que Deus é aquele que dá. Tem sido minha experiência que a providência de Deus chega quando eu tenho gastado meu último dólar. Eu tenho 14 anos de experiência. Em cada uma, Deus desejou a glória para Si mesmo. Deus tem suprido todas as minhas necessidades e nenhuma vez falhou comigo.” (P.116)

Nee aprendeu a como aceitar a soberana circunstância de Deus e a como considerá-la como oportunidade para ganhar Cristo. Por exemplo, ele desenvolveu empresas de sucesso consagradas unicamente para suportar financeiramente os cooperadores de Cristo, as igrejas e a obra do Senhor. Enquanto ele financiava anonimamente os servos de Cristo, os que se beneficiaram dos seus cuidados passaram a espalhar boatos de que Nee se tornara mundano por trabalhar tanto com negócios. Não obstante, ele continuou contribuindo, enquanto aceitava suas críticas como vindas do Senhor.

Samuel Chang, cunhado de Nee, falou sobre os negócios de Watchman Nee:

“eu sou testemunha de que sua motivação absolutamente não era ficar rico. Ele era totalmente entregue ao Senhor”.

Nee aprendeu a suportar com graça tudo o que vinha contra ele, enquanto procurava promover os negócios de Deus na China.

O efeito da cruz

Watchman Nee renunciou a qualquer uso egoísta de seus talentos naturais em troca da vida de um grão de trigo caindo no chão (Jo 12:24). Ele estava convencido de que o poder da vida de ressurreição realizada no serviço divino seria imensamente mais frutífero do que seu próprio poder de persuasão. Portanto, ele encorajava outros a viver sob o efeito da cruz:

“Amados irmãos, o tempo da volta do Senhor rapidamente se aproxima. Nós devemos permanecer fiéis. Nos dias que virão, provavelmente sofreremos mais mal-entendidos e severa oposição; mas já que fomos destinados a isso, devemos permanecer fiéis. Irmãos, por favor, continuem lembrando de mim em suas orações para que  em minhas aflições eu possa permanecer firme, prestando fielmente um bom testemunho ao Senhor.”(P.117)

Watchman Nee recusou a oportunidade de fugir da China antes da tomada comunista em 1949. Ao contrário, ele escolheu pastorear o rebanho lá até quando pudesse. Consequentemente, ele foi preso em 1952 e lá mantido, sem razão, por anos após o que seria sua data de soltura.

Apesar de ser um direito seu, ele não foi liberado para visitar sua mulher, em estágio terminal, e também não foi liberado para comparecer ao seu funeral. Ademais, ele não possuía a provisão necessária de comida e cuidados, e assim ele morreu intransigentemente como um mártir, fiel ao Senhor, após 20 anos de prisão. Um bilhete escrito por mãos trêmulas foi encontrado embaixo do seu travesseiro e, posteriormente, memorizado rapidamente por um membro da família que foi a prisão depois de sua morte:

“Cristo é o filho de Deus que morreu para a redenção dos pecadores e ressuscitou após três dias. Essa é a maior verdade no universo. Eu morro porque creio em Cristo.” (P.118)


Texto traduzido e adaptado a partir do livro Hidden Pearls: Great Hymns of Faith and Their Inspiring Untold Stories.

[1] O nome do hino, em inglês, é Conflict today is fierce.