Podemos enxergar o mundo de muitas formas. Percebemos isso com facilidade quando interagimos com pessoas de contextos mais distantes do nosso; de diferentes origens e culturas. Por exemplo, há diferentes narrativas para explicar a origem do universo, quem somos e qual é nosso propósito. As histórias em que acreditamos determinam o modo como vivemos, nossas decisões, nossa maneira de lidar com problemas e o jeito como nos relacionamos. Mas, no meio de tantas perspectivas, como podemos enxergar a realidade e lidar com ela como Deus ensina?
Vamos conversar sobre um entre muitos momentos narrados na Bíblia em que Deus trabalhou em um grupo de pessoas para transformar a visão delas.
Um povo chamado para transformação
No Antigo Testamento, Deus escolheu, entre as nações da terra, um povo para receber Sua revelação e representá-Lo: Israel. Ele prometeu que esse povo seria bênção para todas as nações (Gn 12:3), mas, até lá, um longo trabalho se realizaria.
Vamos começar do ponto da história em que os israelitas já haviam vivido como escravos no Egito por séculos. Deus os libertaria a fim de que habitassem uma terra que Ele lhes havia preparado. Essa história é particularmente especial, porque mostra Deus tirando todas aquelas pessoas de um contexto e levando-as para um novo, totalmente diferente! Uma transferência de uma esfera para outra.
Era necessário, porém, que todos recebessem nova educação, formando-se, assim, uma nova identidade coletiva, a fim de que pudessem ser o povo que faz a vontade de Deus. Eles teriam uma nova maneira de enxergá-Lo, de se enxergar e também de enxergar o mundo; e essa visão afetaria todas as áreas de suas vidas. De certa forma, todos precisamos passar por tal processo.
Um choque de histórias
Deus conduziu o povo de Israel por meio de muitos sinais e maravilhas. Alguns deles são bastante famosos. A passagem de Moisés abrindo o Mar Vermelho para que o povo atravessasse é conhecida até mesmo por pessoas que não têm familiaridade com a Bíblia.
Feito isso, Israel saiu do Egito e agora teria uma longa jornada até a Terra Prometida. Entretanto, muitos problemas aconteceram no caminho. O povo adorou outros deuses, murmurou contra o Senhor, praticou imoralidades e chegou ao ponto de deixar de crer na palavra de Deus e querer voltar ao Egito, onde foram escravizados. Ao ler sobre esses acontecimentos, podemos ficar sem entender como Israel comportou-se de tal maneira, mesmo presenciando a libertação tão gloriosa que Deus lhes havia provido.
Aqui cabe um alerta: podemos estar presos à mesma condição que levou os israelitas a parecerem cegos, desconectados da realidade e alheios aos feitos e às palavras de Deus, as mesmas palavras que um dia haviam ouvido e presenciado.
A narrativa dos ídolos
Em Êxodo 32, há uma história que pode nos causar muita estranheza. Enquanto Moisés, o líder do povo de Israel, falava com Deus no monte Sinai, o povo se incomodou com sua demora em voltar. E qual foi sua primeira reação? Foram até o irmão de Moisés, Arão, e disseram:
“Tome uma providência! Faça para nós deuses que nos guiem. Não sabemos o que aconteceu com esse Moisés, que nos trouxe da terra do Egito para cá.” (Êx 32:1-NVT)
A primeira coisa surpreendente nesse relato é a concepção de divindade que apresentavam. Um Deus invisível os havia tirado do Egito e os guiado. Agora, contudo, pediam a Arão que fizesse deuses materiais para os guiar.
E o relato prossegue rapidamente. Arão fez-lhes um bezerro de ouro. Os israelitas o adoraram, dizendo “Ó Israel, estes são os seus deuses que o tiraram da terra do Egito!”. Eles ofereceram sacrifícios ao ídolo e festejaram (vs. 4-6). Esqueceram-se das grandes maravilhas que Deus havia feito ao lhes tirar do Egito? Agora, seria esse deus representado por um bezerro de ouro o responsável por libertá-los? Ou ainda acreditavam que Deus era seu libertador, mas estavam misturando outras coisas? E por que um bezerro de ouro? De onde isso surgiu?
Esse relato pode parecer bastante estranho para nós, porém precisamos entender o contexto em que os israelitas se encontravam. Eles viveram séculos no Egito, uma terra onde ídolos eram adorados. E, além dos egípcios, outros povos idólatras os cercavam. Certamente, esse meio moldou a forma como enxergavam o mundo. Assim, era preciso que fossem trabalhados por Deus para que seus corações se conformassem a uma nova visão da vida; a visão que Ele lhes daria.
Há diversas maneiras de contar a história do mundo, uma narrativa governante sobre nossas ações. Alguns chamam isso de cosmovisão. Podemos ou não ter consciência a respeito de nossa forma de ver o mundo. Além disso, nossa visão é sutilmente influenciada pelo ambiente onde vivemos e crescemos. Por isso, precisamos avaliar nossas narrativas e nos voltar a Deus para que a narrativa bíblica nos governe.
Deus transforma a perspectiva de seu povo
Deus concedeu ao povo de Israel revelações sobre si mesmo e lhe deu leis sobre diversos aspectos da vida: instruções sobre como deveriam adorá-Lo, como deveriam plantar, colher, julgar crimes entre si, hábitos de higiene que deveriam ter, a maneira de tratar estrangeiros, entre outras coisas. Note que era um povo inteiro sendo tirado de uma terra e levado à outra. Uma nova nação sendo formada. Deus desejava que deixassem hábitos antigos e recebessem revelações Dele sobre a vida como um todo. Ou seja, tratava-se de uma transição de enorme significado. Aquelas instruções os diferenciariam das demais nações e os fariam representantes de Deus na terra.
Deus lembrava Israel de quem Ele era e do que havia feito. Ele instruiu o povo a transmitir essas memórias e ensinamentos às gerações seguintes.
Diante das inseguranças da jornada pelo deserto, as pessoas desejaram retornar à segurança e à provisão do Egito (cf. Nm 11:4, 5). Mas Deus os levava por um caminho de provações a fim de ensiná-los que “nem só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca do Senhor” (Dt 8:3,16). Deus trabalhava para ensiná-los a andar por fé e em obediência às Suas palavras. Eles seriam moldados para cumprir a missão que Deus lhes dava. Eles seriam um povo santo, representantes de Deus na terra, luz para as nações.
Passado, presente e futuro
Diante da tendência do povo de Israel de adorar ídolos, assim como as nações à sua volta, Deus, por meio de seus profetas, os relembraria muitas vezes ao longo da história:
“Ouçam-me, descendentes de Jacó,
odos vocês que restam em Israel.
Eu os carreguei desde que nasceram,
cuidei de vocês desde que estavam no ventre.
Serei o seu Deus por toda a sua vida,
até que seus cabelos fiquem brancos.
Eu os criei e cuidarei de vocês,
eu os carregarei e os salvarei.
“A quem vocês me compararão?
Que imagem usarão para me representar?
Alguns gastam seu ouro e sua prata
e contratam um artesão para lhes fazer um deus;
então se curvam diante dele e o adoram!
Levam-no consigo sobre os ombros
e, quando o põem no lugar, ali ele fica;
não pode nem mesmo se mexer!
Quando alguém lhe faz uma oração, ele não responde;
não pode livrar as pessoas de suas aflições.
“Não se esqueçam disto; tenham-no em mente!
Lembrem-se bem, ó rebeldes!
Lembrem-se do que fiz no passado,
pois somente eu sou Deus;
eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim.
Só eu posso lhes anunciar, desde já,
o que acontecerá no futuro.
Todos os meus planos se cumprirão,
pois faço tudo que desejo.”
(Is 46:3-10).
Veja que Deus os lembrava da história toda novamente. E não falava apenas sobre o passado. Ele se revelava como aquele que também é capaz de anunciar o futuro. Os ídolos não podiam fazê-lo. Deus pode, pois é o Autor da história. No fim, seu propósito prevalecerá.
Uma visão para toda a vida
Vemos, então, que a Bíblia é muito mais do que um livro de ensinamentos morais. Encontramos, nela, uma narrativa completa para explicar o universo. Passado, presente e futuro.
Essa mudança de perspectiva nos transforma em todas as áreas da vida. Apenas para dar alguns exemplos:
- Se nos enxergamos e nos definimos com base na imagem que outras pessoas têm de nós, isso pode nos trazer grande sofrimento! É melhor nos vermos de acordo com aquilo que Deus diz que somos: filhos amados por Ele. A Bíblia tem muito a falar sobre identidade.
- Ela também fala sobre propósito. Se, ainda que inconscientemente, acreditamos que o sentido da vida é consumir bens materiais ou a busca pelo prazer, quão vazios nos encontraremos! Mas acharemos sentido no ensino pelo qual fomos criados: fazer parte do propósito eterno de Deus, que é completo e que nos supre em tudo de que precisamos!
- E quanto à esperança? Como é importante saber onde depositá-la! Tantos a colocam em lideranças políticas, na tecnologia ou em um estilo de vida, de maneira tão intensa que agem como se essas coisas fossem suas salvadoras! Contudo, nosso problema e o problema do mundo, o pecado, só pode ser resolvido de fato por Jesus, nosso redentor!
Quanto a nós, que cremos no evangelho, Deus está nos guiando por um processo de transformação que inclui uma mudança na forma de enxergarmos a realidade. Sua Palavra deve moldar nossa visão. Nosso compromisso deve ser com a grande história contada por Deus, não com as demais histórias. Como o povo que Ele tirou do Egito, ainda podemos ser muito apegados a outras formas de ver a vida. Mas ouçamos nosso libertador, o Autor da Grande História, e vejamos nossa vida como parte dessa narrativa que Ele construiu. Ele nos conduzirá no processo.
Espero continuar falando sobre este assunto em outras oportunidades. Há muito para aprender sobre como a Palavra transforma nossa maneira de enxergar. Somos abençoados por poder ver como Deus vê e por viver segundo essa visão!