Após pedidos incessantes, resolveu que iria. Seu grupo de amigos havia marcado um encontro em um restaurante da cidade. Já sentia a preguiça. Um deles é do tipo que briga até com as moscas se for necessário, provavelmente iria disparar a falar de política. O outro é do tipo que se deve filtrar toda palavra e pensar na ambiguidade que aquilo pode gerar, já que se ofendia com qualquer coisa. Mas ainda havia mais um. A vida deste é muito acidentada, já sofreu de quase tudo e, por isso, o seu falar é um tanto quanto carente e choroso. Acima de tudo, eram seus amigos, parceiros, irmãos em Cristo. Cresceram juntos, então o convite era irrecusável.
Foi um jantar típico do século XXI. Se encontrou com seus amigos. Conversaram um pouco, oraram pela comida e tiraram muitas fotos que foram divulgadas em suas redes sociais. Dois ficaram conversando, os outros amigos observavam e todos, de tempos em tempos, conferiam seus celulares com uma constância diferente para cada um. Mesmo assim, os smartphones pareciam chamá-los independente de estarem no modo silencioso.
Depois de um tempo, os dois que conversavam discutiram um pouco e todos resolveram encerrar aquele clima tenso. A conta foi paga e mais uma foto foi tirada com direito às hashtags #relembrandoosvelhostempos #brothers #foidemais #irmãosparavidatoda e muito mais.
Ao chegar em casa, a sensação de tempo perdido foi imensa. Às vezes sentia que amigos dão trabalho demais. Afinal, ficar em casa conversando pelo celular ou jogando online juntos seria muito melhor. Menos pessoal, mas não é necessário ter pessoas ao redor o tempo todo não é mesmo? Elas estão presentes pelo Facebook, Instagram, Whatsapp… Com certeza é bem melhor: menos trabalho, menos discussões, mais fácil, prático e rápido.
Caro leitor, dispensando-me da responsabilidade de dar continuidade nesta história ilustrativa, meu desejo é analisar o quanto os ideais mundanos tem influído em nosso viver cotidiano e até no relacionamento coletivo de cristãos.
A partir do final do século XX, as novas tecnologias inundaram o viver das pessoas e as relações têm sido transformadas. Muitas discussões são levantadas por filósofos e pensadores contemporâneos, dentre elas, o isolacionismo como contraste com o discurso virtual de uma integração social ampla. O ambiente virtual realmente facilita a comunicação e integra pessoas que antes possuíam o limite da distância real como empecilho para os relacionamentos. Entretanto, um fenômeno estranho tem acontecido: as pessoas preferem as telas mesmo que estejam perto umas das outras. A feição de ser bem relacionado é tida como mais importante que esses próprios relacionamentos. Viciados na rapidez e em máquinas que simplificam o trabalho, pouco a pouco, nós tendemos a nos distanciar daquilo que nos traz a fadiga. Nesse contexto, tal fadiga se apresenta como o encontro pessoal. Tornamo-nos tele-humanos -“tele”, prefixo de origem grega que significa distância. Nessa perspectiva, o homem contemporâneo se torna distante do próprio homem.
A questão é: Deus, o Soberano, não nos fez iguais. Ainda que sejamos criados na mesma casa, temos preferências e um parecer diferente do universo em que vivemos. Em vista disso, no âmbito social, as divergências e por consequência, a fadiga e necessidade de paciência será sempre essencial. Nesse ínterim, nossa sociedade apresenta o isolamento como solução para os nossos problemas. O mundo contemporâneo oferece diversas ferramentas para que não precisemos ter contato com outras pessoas. A aparência do contato é apregoada como suficiente, a superficialidade é o elemento comum dos relacionamentos.
Contudo, nosso Deus nos criou para vivermos juntos. As diferenças entre os homens é o que os faz crescer. Os conflitos nos fazem entender nossos erros e sermos corrigidos. Também nos fazem ver os erros dos outros e avaliar em nós os indícios ou a presença destes mesmos erros – o que gera aprendizado. A exemplo disso, o apóstolo João, que se encontrava sempre próximo ao Senhor e a Pedro (Jo13:23,At3:1,Lc8:51). Na Bíblia, temos relatados alguns erros de Pedro e ele foi corrigido diversas vezes (Lc9:28-36, Mt17:24-27, Mc 14:66-72). Assim, por meio dos seus próprios erros e pelos erros de Pedro, João, o discípulo amado, se tornou um servo muito útil e o instrumento usado pelo Senhor para a revelação elevada do livro de Apocalipse (Ap1:1). Ademais, o conhecimento da sabedoria divina é incompleto na esfera individual. Sem a igreja, não há como conhecer a sabedoria de Deus em suas várias formas expressas nos irmãos (Ef 3:10). O Soberano faz o uso do coletivo para se revelar ao nosso ser individual.
Desejo ressaltar que não estou condenando os instrumentos virtuais ou o uso deles para a propagação do evangelho (afinal, o Eu Vos Escrevi é um destes instrumentos). Quero advertir quanto ao excesso e ao que eles podem nos levar.
Foi nos dito que o inimigo veio para matar, roubar e destruir (Jo 10:10). Contudo, ainda não vemos isso claramente expresso em nosso cotidiano e nos deixamos ser levados pelo que nos aparece. Cristo veio para unir Deus aos homens e ser o fundamento da igreja, a junção desses homens para a glória de Deus. Jesus morreu e já fez tudo, a autoridade é só Dele e Ele já te deu o sangue, o caminho para o Pai (Mt 28:18, Jo 14:6). É importante lembrar que o inimigo não possui o poder de tirar o sangue de Cristo de você e te privar de ter acesso ao Pai por intermédio do Filho. No entanto, o inimigo pode oferecer todas as ferramentas para isolar você do convívio aprofundado com os irmãos, as pessoas que te auxiliam em seu aperfeiçoamento e em seu conhecimento da obra e do operar de Jesus – sobretudo, esse auxílio é acompanhado de embates e erros de ambas partes.
O medo do conflito, de rejeições e de situações negativas são alguns dos fatores que o inimigo sedimenta nas mentes humanas para levar ao isolamento de uma forma afável a princípio. O convite a solidão começa com os olhos no smartphone durante uma conversa com alguém; com os minutos – que pouco a pouco se tornam horas – com o computador; e com a falta de vontade de sair por princípios válidos. Com o tempo, a imagem de facilidade também é um grande atrativo –principalmente para os que possuem rotinas exaustivas-, e infelizmente, tudo isso e muito mais pode desencadear resultados negativos e muitas vezes irreversíveis. As consequências são claras na nossa sociedade: os suicídios de adultos, jovens e até de adolescentes têm crescido de modo exponencial e o consumo de drogas entre os mais novos aumenta mais a cada dia.
Um dos princípios bíblicos que o Senhor instituiu no início da vida humana, em Gênesis, foi que: “não é bom que o homem esteja só” (Gn2:18). O Criador, quem nos fez, conhece-nos melhor do que nós mesmos e fez uma recomendação clara de que o homem não foi feito para estar só. A solidão torna o homem mais vulnerável. E, infelizmente, essa brecha pode ser a oportunidade que o leão, que nos rodeia com o intuito de nos devorar, precisa para fazer seu trabalho de destruir os filhos de Deus (1Pe5:8). Portanto, a igreja, a família, os amigos e conhecidos que estão ao nosso redor foram colocados por Deus sob nossa responsabilidade de cuidado e estamos sob a responsabilidade deles também.
Frases populares que como “cada um cuida da sua vida” são recentes (século XX). Em sentenças como essa está embutido o individualismo contemporâneo e o desejo de independência do coletivo. Essas pessoas esquecem que não estão e devem estar sozinhas. É claro, cada um de nós possui a responsabilidade de prestar contas de nossa própria vida ao Senhor (1 Pe4:1-6). Porém, essa responsabilidade inclui o papel que você exerce na vida de cada um, respeitando os limites individuais, mas não permitindo que o leão devore as pessoas ao seu redor.
Que sejamos mais sábios no nosso viver terreno ao ponto fecharmos as brechas do isolamento que existem em nossas vidas e nas vidas das pessoas ao nosso redor. Meu desejo é que ao tomar o Senhor Jesus como nosso modelo, que cresceu nessa terra enchendo-se de sabedoria e coberto pela graça (Lc 2:40), rodeado por multidões e pelos discípulos, cresçamos junto com os irmãos até alcançar a unidade da fé e o conhecimento completo de Cristo (Ef 4:13), permitindo que Ele destrua os muros construídos por nossas mãos para que se transformem em pontes feitas por Ele até as pessoas ao nosso redor .