Era uma linda casa que acabava de ser reformada pelo Amor. Agradável, bela, aconchegante e aberta aos que desejavam conhecê-la. Ali naquela casa, muitos conheceram o Amor, conheceram suas verdades e saíram impactados pelo ambiente celestial que encontraram naquele local.

Com o tempo, alguns dos que entraram para falar sobre o Amor feriram a moradora e a ofenderam. Sua cura foi muito demorada e, para ela, constrangedora. Como podia ter sido tão inocente? Não se pode deixar qualquer um entrar, mesmo que essa pessoa esteja falando do Amor. Após uma recuperação lenta e dolorosa, sequelada, decidiu por si que agora a casa seria aberta seletivamente.

Com o tempo, ainda que as lesões antigas doessem de tempos em tempos, alguns que falavam do Amor eram permitidos ali. Mas sempre que entravam ela temia que ocorresse tudo novamente e pensou que talvez para que esse medo se sanasse, a melhor maneira seria se armar. Assim, adquiriu seu primeiro instrumento de defesa.

Quando os outros filhos desse Amor entravam ali, já viam a arma logo na sala. Os que cuidaram dela em seus tempos de adoecimento eram os únicos permitidos a entrar na sua cozinha, desprovida de armas, e o lugar que ela mais amava da casa. Afinal, ali as conversas e adorações eram sempre melhores.

Ela até sentiu que as armas na sala estavam tornando os momentos de desfrute das palavras do Amor mais tensos, e pensou que talvez era porque eles viram que não a poderiam mais machucar como antes. Então, adquiriu mais armas. Como já não cabiam na sala, nem nos outros cômodos, se viu obrigada a colocar em sua cozinha. Dessa forma, até seu alimento era preparado diante de suas defesas.

Certo dia, uma adoradora do Amor que ela gostava bastante e que apesar das armas, nunca cessou de visitá-la, a pediu para que ocorresse uma reunião de adoradores em sua casa. Fazia muito tempo desde a última vez. Ela, por educação e por querer a presença da adoradora em sua casa, aceitou. Muitas dúvidas e complicações surgiram até aquele momento, algumas armas foram realocadas para que o espaço fosse ampliado, mas decidiu que algumas delas ainda ficariam ali (por precaução, claro).

Os adoradores começaram a chegar e tudo estava ocorrendo de maneira mais fluida do que pensou. Eles não olharam para as armas, nem para as sequelas dela, nem para sua aparência fechada. Só iniciaram a adoração. Por achar diferente, resolveu que não só na sala, como na cozinha, no quarto e em toda a casa seriam aceitos (inédito, sim. Não sabia como, confiou neles). A adoração continuou até que alguém bateu à porta. Era O Amor. Os adoradores que estavam ali, nem mais pareciam estar, havia Um só com ela.

Nesse momento, não sabe como, mas as lágrimas que não caiam há muito, jorraram. Seus joelhos que já nem podiam se dobrar, se encontraram com o chão e as armas que carregava consigo ela entregou a Ele antes mesmo de qualquer fala. Ele sentou ao seu lado, no chão, e começou a falar. Descreveu uma história que ela já havia ouvido muitas vezes. Mas dessa vez, essa não era só uma história, nesse momento, aquela história passou a ser dela.

No decorrer da história Ele se levantou e expôs as armas, apontou para suas muletas, seu joelho lesionado e enrijecido e perguntou: minha filha, “Que queres que eu te faça?”

A resposta pulou a boca, não como uma palavra bonita que havia aprendido, mas como aquilo que havia saído de dentro de si: “Senhor, que eu torne a ver.”

Mais que depressa, ela abriu os olhos e percebeu que as armas não estavam afiadas, nem haviam munições, suas seis trancas estavam enferrujadas e não eram capazes de fornecer nenhuma segurança. Sua casa estava repleta de velharias imprestáveis. O Amor, que a fez ver, tomou sua mão e a convidou a iniciar a limpeza com Ele.

Querido leitor, desejo iniciar a reflexão dessa narrativa explorando um pouco de cada representação. Primeiro, vemos uma pessoa cristã, salva, inserida na sua comunidade de fé e que foi ferida pelos seus irmãos. Além disso, vemos que as feridas que ficaram foram os motivadores de sua ânsia por autoproteção e mais que isso, que ela usava de armas adquiridas por si própria para alcançar seu objetivo e consequente sensação de segurança.

Em Efésios 6:10-20, vemos um trecho que descreve as defesas que um cristão deve ter. Mas ao lermos esse trecho vemos que a armadura é para que fiquemos firmes contra as ciladas do diabo, não para usarmos contra os nossos irmãos, ou contra as palavras que nos incomodam e desconfortos na igreja.

Machucados na igreja? Isso pode parecer absurdo para os que não compreendem a igreja. Portanto, vou explorar um pouco o tema para que consigamos ter maior clareza a respeito.

Igreja, ekklesía ou ekkalein do grego, ecclesia no latim, palavras que objetivam passar uma mensagem: assembleia do povo chamado para fora.

Como começou? Primeiramente, com uma profecia dada pelo próprio Jesus a Pedro (Mateus 16:13-19), profecia que se cumpriu depois da ressurreição de Jesus, em que Ele mesmo gastou 40 dias instruindo os apóstolos acerca do reino de Deus (Atos 1:3-5) e prometeu o acontecimento de pentecostes. Antes mesmo de pentecostes, 120 irmãos – a Bíblia fala em pessoas, homens e mulheres – se reuniam, unânimes, em oração (Atos 1:12-26). 

Depois disso, vemos o acontecimento do Pentecostes, em que o Espírito Santo encheu a todos os irmãos e os levou a falar em outras línguas para que o evangelho fosse pregado (Atos 2:1-13). Contudo, mesmo diante de tais maravilhas, alguns homens levantaram discórdias e o Senhor usou a Pedro para esclarecer o que estava acontecendo e levar o evangelho às pessoas. Essa pregação rendeu a conversão e batismo de quase três mil pessoas (vs. 14-41).

Posteriormente, o livro de atos explana o viver dos cristãos primitivos como aqueles que perseveravam em comunhão, iam todos os dias ao templo, partiam o pão de casa em casa diariamente e estavam sempre em oração (Atos 2:42-47). Ademais, vemos vários sinais e curas sendo efetuados e o Espírito Santo os abençoando cada vez mais, até que a perseguição se inicia (Atos 4-7) e os irmãos são “espalhados” por todas as regiões vizinhas (Atos 8:1). No decorrer da Bíblia, vemos outros irmãos sendo salvos e igrejas em diversas cidades.

É nesse contexto que o Senhor revela aos seus servos que a igreja é o corpo de Cristo e alguns princípios do cristianismo, como santificação, humildade, promoção da paz e edificação da igreja, o corpo de Cristo (Efésios 1:22-23; 4:1-16). No decorrer do Novo Testamento, diversos outros aspectos são abordados, entre eles as dificuldades das igrejas. Você pode pensar: como? Se temos a igreja como o próprio corpo de Cristo, um ser perfeito e sem defeitos, como essa igreja passa por problemas? Então, lembra-se quem é parte dessa igreja? TODOS os que creram em Jesus Cristo e foram batizados. Dessas pessoas não é exigido um ótimo currículo, educação, ou muitas habilidades sociais , pelo contrário, Primeira Coríntios 1 mostra claramente que os escolhidos do Senhor não são os melhores homens da terra. Nada além da fé é exigido. 

Por que estou falando a você tudo isso? Para que entenda que faz parte do nosso aperfeiçoamento o sofrer em comunidade. Como? Sim, no nosso desfrute individual da palavra e oração temos um crescimento em Cristo como uma célula em si, entende? Mas como corpo de Cristo, você está inserido em um órgão, dentro de um corpo vivo. E você como célula carece de comunicação e cooperação com outras células (Hebreus 10:25), assim como acontece no nosso corpo mortal, você vai sofrer lesões geradas por outras células, assim como receberá ajuda delas. E não só no nosso corpo mortal, mas na igreja, isso é muito importante para que essa célula se adapte às necessidades desse corpo. Em sua primeira epístola, Pedro fala de importância de sermos provados e como isso resulta em louvor, glória e honra para o Senhor e em salvação para nós (1:3-9).

Às vezes nossa casa toma forma de fortaleza porque queremos nos proteger das feridas que se abrem durante nossa vida cristã. Sejam elas provações individuais ou coletivas, é o Senhor mesmo que as permite para o nosso próprio bem. Eu sei, é difícil aceitar isso e muitas vezes nós começamos a usar até mesmo a palavra que o Senhor nos deu para defender-nos daqueles que se tornaram nossos inimigos, mas que são nossos próprios irmãos. A personagem se armou porque não queria mais ser machucada. Quantas vezes não fazemos isso seja com a teologia, seja esconder-se em serviços na igreja, na roda de amigos (que provavelmente pensam como você), na hipocrisia, na frieza, no afastar-se da igreja e dos irmãos ou qualquer outra estratégia que nossa mente elabora?

Não podemos esquecer que o princípio ensinado para a igreja diante de situações difíceis foi a oração (Atos 1:24). Não estou dizendo que você deva aguentar tudo e esperar ser ferido até a morte, estou falando que a chave para a sua defesa não está em você. No nosso corpo mortal, quando uma célula é ferida, ela emite sinais e passa a ser defendida por um sistema de defesa do corpo. Ao sermos feridos, nós também podemos sinalizar, por meio da oração, da comunhão com irmãos separados pelo Senhor como esse sistema de defesa, e só assim, poderemos crescer. Seja ela qualquer decisão que o Senhor deseja que você tome diante de cada situação, ela não deve ser tomada sem comunhão e oração.

Que a luz que desvanece todas as trevas, a graça que inunda os corações vazios e o amor que vence todo o medo alcance a você hoje e o faça ver e abandonar as armas que você criou para si. Que após render-se e entender que as dores fazem parte do processo, você consiga desfrutar das delícias de confiar verdadeiramente na obra de Cristo em você.