Em 1851, Herman Melville publicava um dos livros que posteriormente viria a ser canonizado no mundo da literatura e tido como uma leitura obrigatória para qualquer entusiasta deste vasto universo literário. Tão grande quanto o personagem que intitula a obra, Moby Dick (ou A Baleia) é um romance extenso e repleto de referências que renderam centenas de estudos e pesquisas acerca do significado por detrás da aventura vivida no navio Pequod e sua tripulação, todos em uma infindável busca pela baleia branca, famosa por sua capacidade destrutiva.
Com uma trama que foi recontada em diversas mídias, ouso dizer que todos conhecem, em algum nível, a aventura. Trata-se de uma perseguição – motivada apenas por vingança – iniciada por um dos principais personagens, o capitão Ahab (ou Acabe, a depender da tradução) em busca da baleia que anos antes teria arrancado sua perna. Movido por um sentimento de fúria, o capitão arrisca a própria vida e a de sua tripulação em uma empreitada que, ao longo da leitura, parece que não dará em nada. Posteriormente, descobrimos um desfecho trágico no qual a dita baleia sai mais uma vez vitoriosa, dando fim cruel ao homem que por tanto tempo a perseguira. Em seu frenesi que leva à própria morte, Ahab garante a alcunha de monomaníaco.
À parte das diversas interpretações, que julgam se o livro possui fins existencialistas ou críticas sociopolíticas à situação norte-americana da época, essa leitura, agregada a experiências pessoais e à palavra d Senhor, deu-me uma nova perspectiva sobre o trabalho de Melville. Perspectiva que espero poder esclarecer a você, leitor.
Essa abordagem começa analisando o nome do próprio capitão do navio Pequod. Ahab (ou Acabe) talvez lhe seja familiar. Recheado de referências, Moby Dick tem um caráter bíblico bem presente de modo a contribuir para suas várias metáforas. Se voltarmos ao Antigo Testamento, veremos que Acabe era um rei idólatra, que desprezava a palavra do Senhor e fazia tudo contrário à vontade Dele (1 Reis 16:30-33; 21:25-26). No livro, o personagem também se revela um idólatra, o que certamente já contraria todos os desejos no coração de Deus (Êxodo 20:3), utilizando isso como força motriz para inflamar sua ira (Salmos 37:8) e adentrar em uma perseguição que não levaria a nada além do próprio fim. Tanto para a história – a Bíblia – quanto para a estória – Moby Dick – há apenas uma conclusão para a idolatria: morte.
E com esta lógica, entro no meu ponto principal: como anda a sua vida pessoal? Você está adorando a Deus ou idolatrando outras coisas ou pessoas? Ainda nessa linha de raciocínio, gostaria de instigar uma nova percepção a essa pergunta; uma que você talvez nunca tenha considerado. Você anda idolatrando a si mesmo?
Exemplifico. Cinco anos atrás, quando entrei na faculdade, estava convicto de que havia conquistado esse feito por mérito inteiramente próprio. Em meu coração, não havia nenhum sentimento de gratidão ao Senhor pelo que Ele havia feito em minha vida e as portas que abriu. Eu apenas me via como uma pessoa inteligente, independente e capaz. Ao longo do primeiro ano, outras conquistas foram alcançadas: ofertas de bolsas de iniciação científica, projetos bem-sucedidos, notas que mostravam um ótimo desempenho e, no âmbito pessoal, pequenos êxitos obtidos pelo que eu acreditava ser a minha própria capacidade. Cheio de um orgulho vão, eu começava a idolatrar a mim mesmo, enquanto o sentimento de gratidão por Deus se restringia a um ou outro domingo. Eventos posteriores, no entanto, mostraram que não é bem assim que as coisas funcionam. O Senhor, em sua misericórdia, manteve as coisas que Ele havia concedido, mas me fez vivenciar certos constrangimentos que deixaram bem evidente que Ele estava no controle de todas as coisas.
A Palavra é clara quando diz “Teu, Senhor, é o poder, a grandeza, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, Senhor, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos” (1 Crônicas 29:11). Ao Senhor pertencem todas as coisas que vemos e sentimos, incluindo nossas conquistas. Obviamente, você deve se esforçar para obtê-las, mas precisa ter em mente que nossa vontade não é nada mediante a vontade de Deus e os desejos de Seu coração. Sendo assim, por que não se voltar a Ele em oração para agradecê-Lo antes de tudo e, se necessário, só então rogar por suas necessidades humanas?
Essa mesma questão me leva ao segundo ponto deste texto. Entendemos agora que devemos estar atentos ao nosso orgulho, se nossa idolatria não se estende ao nosso próprio ego e o quanto devemos ser gratos. Contudo, precisamos estar sempre dispostos a perceber se, em nossas vidas, não estamos caminhando para empreitadas que levam apenas ao desejo do nosso coração, descartando o direcionamento do Senhor. Estaríamos nós, tal qual Ahab, monomaníacos, voltados apenas para nossas próprias vontades e alheios ao falar de Deus em nossa vida?
Gabar-se de seus feitos e não ter um sentimento de gratidão é uma forma de idolatrar a si mesmo; mas perseguir os desejos do coração sem antes pedir direção ao Deus presciente, que sabe de todas as coisas e que tem para nós o melhor (Romanos 8:27-28; 1 Pedro 1:2), assim como ignorar o falar Dele e buscar nossa vontade, também o é. Quantas vezes nós não desejamos fazer as coisas por nossa própria força? Colocamos vestibular, trabalho, relações pessoais e desejos materiais em primeiro plano, ao mesmo tempo que insistimos em navegar solitariamente em direção a essas “baleias”, levando-nos a uma busca que, sem a direção do Senhor, encontrará o desastre iminente.
Às vezes, esse desejo se estende ao nosso viver cristão. Insistimos que somos capazes de executar tarefas sob a justificativa de querermos agradar a Deus, mas sequer dobramos nossos joelhos e perguntamos a Ele como tal objetivo pode ser alcançado. Paulo, na epístola aos romanos, declarava: “Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” (Romanos 7:14). Nossos desejos, por melhores que sejam, não resultarão em vida se o fizermos meramente por orgulho ou por um trabalhar desacompanhado do Senhor, surdo à Sua palavra. Nosso corpo está tomado pela lei do pecado e, enquanto carregarmos fardos sem o direcionamento do Senhor, não faremos o que preferimos, mas aquilo que detestamos (v. 15).
Deus não necessita de qualquer conhecimento ou sabedoria humana para fazer Sua obra no mundo e em nossas vidas. Essa dita “sabedoria” humana de nada Lhe serve, sendo necessário apenas a simplicidade e o ardente desejo pelo Senhor em nosso coração, sem espaço para soberba e arrogância, para que a vontade Dele se realize, por intermédio de Seu trabalho santo. Isso deve estar em nosso coração nos dois aspectos de nossa vida: o de serviço, quando saímos para realizar a obra do Senhor; e o pessoal, quando desejamos fazer as escolhas mais adequadas para o nosso dia a dia.
No final, devemos lembrar que “a todos quanto o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem no seu nome” (João 1:12). Se cremos Nele, somos feitos filhos e, como propõe o oitavo capítulo de Romanos, consequentemente somos herdeiros (v. 16-17a), conseguindo tudo aquilo que pedimos de acordo com a vontade Dele (Mateus 7:7-12). Um verdadeiro pai jamais abandona o filho e procura oferecer a ele o melhor. Mas, antes de qualquer coisa, o filho precisa aprender a ouvir os ensinamentos do pai, obedecê-lo e ter fé em suas promessas (Hebreus 11:6).
Proponho, por fim, essa reflexão: estamos nós perdidos em idolatria de nosso próprio ego, ou o Senhor tem sido a nossa prioridade, tanto para agradecermos quanto para ser nossa liderança? Estamos colocando a vontade Dele a frente de todos os aspectos de nossa vida ou insistindo em nossas próprias buscas ilógicas, idólatras, monomaníacas e afastadas de Deus, tal qual o capitão do Pequod e o antigo rei de Israel? Que possamos refletir acerca de nosso comportamento diário e deixemos de buscar infindavelmente a baleia branca que assola os oceanos de nossa vida. Que antes e após todas as coisas, esteja Cristo: o Alfa e o Ômega (Apocalipse 22:13) de cada um dos nossos dias.