Vem olhar de perto
E provar da alegria
Que é chorar 

 

(Música ”Até Sozim”, Marco Telles)

Eu olhei a tristeza nos olhos e sorri

(Música “17 de janeiro”, Os Arrais)

Em um dia de que não me recordo a data, chegando em casa, estacionei o carro, e naturalmente segui para dentro o quanto antes, mas ao encostar a porta, já no aconchego do interior, me deparo com uma imagem tão envolvente, que sem nem perceber, já estava do lado de fora novamente. A tela que meus olhos capturaram foi esta: 

Havia o belo coqueiro da casa da minha vizinha de frente (um amigo já conhecido dos meus olhos), mas todo o contexto que o envolvia capturou a minha atenção. Era um dia chuvoso, o céu estava carregado de nuvens escuras (não aquele nublado claro que aterroriza os fotofóbicos). Ainda assim, de frente para o coqueiro (portanto de costas para mim), o sol projetava sua luz naquela árvore, em meio ao cinza escuro imponente, havia uma coloração dourada majestosa. 

Como se somente isso não fosse de tirar o fôlego, ao lado da moldura que projetei invisivelmente a toda essa imagem, me virando um pouco à direita, havia um arco-íris. Não era tão fácil notá-lo, ocupava apenas uma parte da cena (embora o arco completo existisse com certeza, só se via um pequeno pedaço seu), em meio às nuvens mais baixas que estavam sendo levadas por um vento forte e gelado, sendo substituídas por mais nuvens que se dissolviam. Menos perceptível ainda, era um intervalo entre as rajadas de vento nas nuvens mais baixas, o qual revelava, em algum lugar, um céu azul, um lugar ao longe em que não havia chuva. 

Neste ano de 2022, a Conferência Geração Final na Estância Árvore da Vida (Sumaré, SP) teve o tema “Felizes”. Logo que revelaram essa abordagem temática, admito que me preocupei com a reação dos jovens ouvintes a respeito do assunto, se pensariam na felicidade como uma capa obrigatória que deveriam usar pelo fato de serem cristãos, mais focados na aparência que na essência. 

Contudo, uma jovem adulta teve a oportunidade de dar o testemunho logo na reunião de abertura. Contou-nos a experiência que teve nos últimos anos.

A jovem contou que foi designada a um certo país tendo em vista um trabalho missionário a ser feito ali. Nas primeiras semanas, houve aquela intensidade e alegria próprias das coisas novas. Estava tão entusiasmada e confiante. Havia crescido em um lar cristão e sempre se dedicou aos serviços na igreja. Entretanto, “nãos” vieram, ela sabia que o Senhor a estava mostrando que o serviço a ser desenvolvido naquele país, tal qual ela imaginava, não seria naquele momento. Essa moça, então, de personalidade alegre e extrovertida, passou a sentir uma ponta de desânimo, o qual foi evoluindo até se alastrar sobre sua alma de maneira mais profunda.

Com o tempo, ela casou-se. Passou por um período inicial de bastantes dificuldades no matrimônio. E na comunhão com o Senhor, sentindo-se muito triste por esse cenário somado ao anterior de expectativas frustradas, encontrou um trecho em um livro chamado “Uma mesa no deserto”, de Watchman Nee, o qual dizia:

Desde o dia em que me converti, meu sincero desejo foi o de ser um verdadeiro cristão e tinha minha própria concepção daquilo que deveria ser um cristão e fiz o máximo para alcançar esse alvo.

O verdadeiro cristão – pensei eu – deve sorrir de manhã até a noite. Se derramar uma só lágrima, ele deixou de ser vitorioso. Além disso, ele deve ser infalivelmente corajoso, o menor sinal de medo significa que ele fracassou seriamente na confiança que depositou no Senhor. 

Contudo, logo aprendi que a vida cristã é muito diferente, é um paradoxo de poder na fraqueza; alegria em meio à dor; fé que triunfa onde há dúvida (2 Co 4:8-9; 12:9). 

Quando se sente mais forte no Senhor, o cristão muitas vezes está consciente da sua incapacidade. Quando está mais corajoso, ele talvez esteja profundamente consciente do temor que há no seu íntimo. Quando está mais alegre, uma sensação de angústia logo se rompe dele novamente, é apenas a excelência do poder que o leva às alturas.

Essa palavra tão rica a supriu.

Tempos depois, a jovem quase foi sequestrada. Um homem armado a machucou, embora, graças ao Senhor não tenha conseguido levá-la, sua confiança natural e alegria, nesse episódio traumático, receberam golpes de maneira mais certeira. Sempre se sentira muito segura no Senhor, contudo depois daquela situação, não se sentia mais tão protegida como se sentiu a vida toda e passou a perguntar ao Senhor quando a alegria verdadeiramente chegaria, visto que naquele momento ela se sentia triste, abandonada e desprotegida.

Não muito depois, ocorreu de essa nossa irmã encontrar-se grávida, sentiu-se aliviada, cada vez mais confiante da ideia de que sua alegria, sua vez, tinha realmente chegado. O que durou até o segundo mês de gestação, quando então perdeu o bebê. 

A jovem zangou-se e foi o pior de todos os golpes para ela até ali. Voltou-se ao Senhor em oração, confessando toda a sua insatisfação. Questionava-O se não tinha piedade ou compaixão dela, porque sentia-se mergulhada em angústia, não conseguia mais desfrutar dos cultos da igreja, não encontrava mais satisfação no Senhor como antes e quando via alguém que parecia encontrá-Lo por meio de um hino ou durante a ministração de uma palavra, pensava que tal pessoa estava fingindo. Tudo havia perdido a graça.   

Em resposta a ela, o Senhor levou-a a duas porções da palavra. Primeiramente a Romanos 8:28: 

Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.

O Senhor a conduziu a refletir na palavra “todas”. Todas as coisas que lhe aconteceram cooperavam para o seu bem, todas. Mesmo as piores. 

Em seguida, levou-a à passagem de 1 Tessalonicenses 5:18:

Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco. 

Ela passou a agradecer por todos os episódios que lhe aconteceram desde a ida ao país estrangeiro. Não foi fácil, tanto que não o fez sem antes relutar, mas o Senhor reforçou em seu coração, “faça isso, é a cura”. Assim se fez. Ela agradeceu pelos problemas, cada um deles, pelo quase sequestro e as outras dificuldades vividas. 

Entretanto, o mais difícil, foi agradecer pela perda de seu filho, porém o fez, agradeceu. Naquele momento soube, tomou novamente consciência do amor do Senhor por ela, apesar de todos os momentos difíceis, provou da doçura de seu amor. Toda a amargura que vinha sentindo foi se desfazendo, seu coração estava todo quebrantado. 

Ela ainda não tem um filho, os problemas ainda permanecem, não conseguiu retornar ao Brasil até o momento, porém a jovem sabia que a alegria que vem do Senhor não depende dessas coisas, ela provou de uma preciosidade decorrente de aprender mais Dele, advinda do relacionamento com o Pai. 

Junto à contemplação da cena contrastante à minha frente, veio uma mensagem quase automática e nítida. Mesmo em meio aos sofrimentos, o Senhor permanece claramente fiel. Podemos nos questionar o tanto que for, mas a partir do momento em que vivemos em meio à tempestade, vivemos no caos de que fizemos o mundo com os olhos naquele que é o nosso sol da justiça, seremos de fato luz no mundo. As pessoas olharão e verão em quem temos nos apoiado. Podemos estar cercados pelas nuvens mais escuras, mas a aliança do Senhor permanece e há o símbolo visível de uma das suas promessas para o ser humano, o arco-íris, além das que sua palavra nos traz – o Senhor não nos dará provação que não possamos suportar. 

Em um mundo corrompido pelo pecado, o sofrimento é uma das facetas da existência humana, mas há felicidade em conhecer o Senhor ao longo da jornada apesar das dificuldades, provando de tudo que Ele oferece, todo o aprendizado, sabedoria, especialmente, ganhando mais Dele mesmo, de tudo que Ele é – e há beleza nisso, extrema beleza. 

E eis o paradoxo, quando se perde é que se ganha (Rm 8:32, 36-37) – quando negamos a nossa natureza e orgulho, birra e reclamações diante do que não sai da maneira que desejávamos, aprendemos a viver com aquele que é a fonte de toda satisfação e alento.       

[Senhor,] Tu és a razão do meu respirar e o som que eu busco é pra te fazer sorrir e a cada estação eu quero passar descobrindo a beleza de contigo andar. (Música ”Tu és a razão”, Recomeçar Music)