Chegamos à última entrevista da série O Chamado Missionário. A fim de responder dúvidas comuns sobre a vida missionária, ouvimos experiências de três pessoas envolvidas em diferentes projetos. São histórias inspiradoras de vidas entregues ao trabalho de anunciar a Cristo. Desejamos que elas possam lhe encorajar a, de alguma forma, participar do avanço do evangelho.


Nosso último entrevistado é Guilherme. Guilherme é de Curitiba – PR, tem 24 anos e mora em Contagem – MG.

EVE: Guilherme, de que projeto missionário você participa? Que atividades você realiza nele?

– Guilherme: Eu participo de uma organização missionária chamada Jovens com uma Missão (JOCUM). Tenho servido aqui há um ano. Já fiz missão no Rio Grande do Sul e também em Santa Catarina há uns dois anos. Mas a partir desse ano o serviço tem sido mais intenso, em tempo integral. Faço missões urbanas aqui em BH e Contagem. Também trabalho na Escola de Treinamento e Discipulado (ETED), que recebe jovens do Brasil inteiro e de outras partes do mundo para aprender sobre relacionamento com Deus e como fazê-Lo conhecido com intensidade. Tenho trabalhado nessa escola como obreiro.

EVE: Como funciona essa escola?

– Guilherme: A Escola dura cinco meses. São três meses de tempo teórico e dois meses de prático. Nesses três primeiros meses nós ficamos aqui em Minas Gerais. Aprendemos muito a respeito do Reino de Deus, do caráter cristão. A questão de identidade é muito trabalhada, além da questão da paternidade de Deus, e o aluno é curado, restaurado interiormente. E os dois últimos meses são o tempo prático, quando nós saímos, viajamos por alguma parte do Brasil ou do mundo onde existem pessoas não alcançadas, que ainda não ouviram falar do Senhor, ou por lugares em crise, com pessoas carentes, para onde nós levamos evangelismo criativo, com circo, teatro, além de alguns tipos de aula e ensino para as igrejas. Trabalhamos em conjunto com a igreja local para desenvolvê-la, ensiná-la a ir para a rua e trabalhamos também com situações de necessidade. Por exemplo, ajudamos em casos de terremotos, enchentes, ou questões locais, como casos de pobreza muito grande. Trabalhamos nessa área de auxílio também, como ajudar a reconstruir cidades, ou a restabelecer coisas.

EVE: Muito legal! Em que lugares você já realizou missões por meio dessa Escola? Como foi a experiência?

– Guilherme: No último ano eu estive envolvido com a Venezuela. Fui no primeiro semestre do ano passado para lá e retornei no início deste ano. Fui com uma equipe para levar ajuda humanitária, alimentos, produtos de higiene pessoal, levar o amor de Deus e esperança para aquele povo que tem sofrido tanto, escravizado pelo medo de uma política inconstante e de uma economia que está bem precária. Um povo que foi bastante desencorajado a trabalhar e acreditar no seu país. Nós cremos muito no avivamento por lá. É como se a Venezuela estivesse sendo sacudida pelo Senhor, despertada para que se lembre Dele, abandone toda independência e volte para Seus braços.

EVE: É bom saber que existem iniciativas como essa, que levam ajuda para pessoas em situações tão difíceis. Quais são os próximos lugares onde os alunos irão atuar?

– Guilherme: Agora, na ETED, a partir do final de abril até junho, eu vou com uma equipe de 15 jovens para a região do Sertão do Piauí, no Nordeste, levando Palavra, teatro, circo, alegria e amor. Vamos ajudar o pessoal também no ensino de leitura e no aspecto social, de água e alimento. Vamos dedicar esse período para esse povo.

Quando eu retornar, trabalharemos com mais uma leva de alunos, e os levaremos também para outro lugar onde seremos desafiados. Vou levar essa equipe com 15 alunos para o Sertão do Piauí, mas uma outra equipe vai para o norte da África e Espanha e uma outra vai para o Rio de Janeiro e interior de Minas. São três equipes indo para lugares diferentes saindo só daqui da base da JOCUM Contagem.

EVE: Que Deus os abençoe nessas viagens! Você já pratica isso há algum tempo e certamente teve experiências muito abençoadas. Mas como você se envolveu com missões? Como foi o seu chamamento?

– Guilherme: Bom, é uma longa história… Na minha vida tudo estava indo bem. Estava na universidade, me desenvolvendo econômica e socialmente bem. Meus sonhos estavam se realizando. Mas eu comecei a enxergar algumas coisas no Reino e no coração do Senhor que eu não tinha visto antes. Há três anos eu comecei a perceber que o Senhor estava fazendo um grande trabalho. Acima da engenharia, acima da medicina, acima de qualquer coisa que o homem está desenvolvendo, Deus está restaurando todas as coisas.

Claro, a engenharia, a medicina, a arquitetura, o serviço social, tudo isso faz parte de um grande trabalho e precisamos render esse trabalho a Ele. Mas o meu chamado, especificamente, foi para servir em tempo integral, encorajando e motivando jovens, no treinamento e levantamento de equipes de tempo integral e na conscientização de que todas as profissões podem ser um meio de levantar o Reino de Deus. E o objetivo central é que o Reino de Deus venha pra Terra e se manifeste, e que Ele venha sem demora.

Meu chamamento foi bem forte no sentido de estar mais perto de Deus. Acho que o meu único chamado foi esse. Eu não vejo outro. Inclusive, quando lemos Gênesis, não se encontra “chamamento” para a Adão. No início, Adão não tinha chamado, ele tinha uma vocação. O primeiro chamado que Adão teve foi quando ele caiu. A primeira vez que o chamou, Deus falou: “Adão, onde estás? Cadê você?”. Ele foi chamado para perto. Deus estava chamando Adão para perto. “E aí, cadê você?”, “Vem se relacionar comigo”. Então, em relação a chamamento, fui chamado para mais perto Dele há algum tempo. E quanto mais perto você ficar, mais doido você fica (risos). Mas, é claro, cada um tem a sua experiência e Ele diz para cada um de maneira diferente como se portar e manifestá-Lo.

EVE: Você teve um chamamento forte e deixou alguns sonhos para atendê-lo. Como é desistir da vida profissional e viver integralmente para a obra missionária?

– Guilherme: Cara, é loucura, viu. Porque você olha para seus amigos e sua família e está todo mundo se desenvolvendo, estudando, trabalhando, constituindo família. Uns conseguiram uma boa casa. A galera da sua idade que estudou com você já comprou seu apartamento, já tem seu carro… Você abriu mão disso, né. E todo dinheiro que vem, você aplica no Reino. Você aplica em pessoas, investe em viagens para falar do amor de Jesus e se desgasta fisicamente. É bem diferente, porque corremos por outros objetivos.

Claro, acredito que só por você estar numa universidade ou trabalhando, não quer dizer que vive uma “carreira secular”. Depende muito do que seu coração tem apontado. Pode muito bem estar no meio da cidade, no meio da metrópole envolvido nessas coisas, mas mesmo assim investir sua vida primeiro no Reino de Deus e na Sua justiça, não deixando nada daquilo tomar conta de você e influenciar suas atitudes, mas pelo contrário, você ser uma influência para o seu meio. Mas é claro que viver integralmente para uma obra missionária é muito doido porque você precisa depender de Deus em tudo, principalmente quando você já trabalha e tem seu dinheiro e não depende mais de ninguém.

EVE: E como é essa experiência de confiar do suprimento de Deus?

– Guilherme: Você tem que aprender a depender de Deus e se sujeitar a seus amigos, tentar contar com eles no levantamento de recursos. Essa parte às vezes é um pouco chata, porque não estamos acostumados a falar de dinheiro, ainda mais na igreja brasileira, que não pensa muito em abençoar. Às vezes, você precisa contar com R$ 20,00 de cada amigo seu, às vezes R$ 30,00, para conseguir se manter com R$ 400 ou R$ 500 por mês pagando sua estadia. E ainda assim você é visto por muitos como um vagabundo, como alguém que não gosta de trabalhar, sendo que a realidade aqui é bem diferente. Trabalhamos mais do que muita gente, mais que a maioria das pessoas que trabalham secularmente. Mas sabemos que nossa recompensa vem do Senhor. No dia que chegarmos “em casa” seremos bem recompensados.

É bem confrontador, mas o Senhor dá muita graça, nunca falta nada para nós. Às vezes aqueles que nós imaginamos que vão ajudar, ser parceiros e entender o que nós estamos fazendo, muitas vezes não entendem e a maioria não ajuda. Mas o Senhor levanta outras pessoas que você nem imagina para ajudar, pessoas que nem te conhecem direito, e é uma experiência incrível. Você se sente bem sustentado pelo Senhor. Quando você fica doente e precisa de dinheiro, o Senhor dá um jeito e todas as necessidades são supridas. Você nunca tem dinheiro no bolso (risos). É como se tudo estivesse nas mãos de Deus e quando você precisa, tem necessidades, não precisa nem olhar pra Ele. É como se Ele fosse um pai olhando para o filho e falando “toma, filho, vai lá e pague isso aí, pague sua necessidade, pague isso, pague aquilo”. Nossa condição sempre está nas mãos de Deus.

EVE: Você falou sobre serem recompensados. Enquanto tantos vivem em busca de riquezas terrenas, como é deixá-las e viver atrás de recompensas celestiais?

– Guilherme: É um pouco de confronto. Você observa o estilo de vida da galera lá fora e a galera te observa, vê o seu estilo de vida aqui dentro. Você olha para as pessoas, eles se desenvolvendo em tudo, financeiramente, mas seus corações não estão realizados, nem suas mentes, nem nada. Mesmo que a pessoa se torne presidente ou empresária, milionária,  ela sempre vai estar vazia interiormente e não consegue às vezes tocar o Senhor de maneira intensa. E nós aqui, que às vezes não temos riqueza nenhuma, e vivemos de maneira bem simples, nos doamos, temos que nos quebrantar na questão financeira, dependemos muito dos outros – e, claro, quando eu falo dos outros é, na verdade, o Senhor usando os amigos, a família – não temos essa busca financeira, mas por outro lado, nunca nos falta nada e somos muito supridos interiormente.

Nosso trabalho tem muito significado. Quando geramos um sorriso onde o rosto só tinha tristeza, geramos amor onde só existia desespero, geramos esperança onde antes só existia o medo. É como aquele verbo “Bara” (hebraico) de Deus, que cria do nada. Ele começou com o “que haja”. É como se o Espírito de Deus nos movesse a fazer isso também. Criar do nada. Chegar onde há fome e trazer do nada a comida. Chegar onde há choro e trazer do nada a alegria. Chegar onde há dúvida e gerar o entendimento. Onde há só solidão, ver do nada ser gerado o amor dentro dos corações. É algo bem gratificante.

EVE: Isso é empolgante! Você atendeu ao chamado de Deus e já é recompensado aqui. Como alguém pode saber se tem um chamado?

– Guilherme: Bom, um chamado todos nós temos, que é estar mais perto de Deus. Isso vai muito do coração de cada um. Eu acredito muito na conexão do coração. Quando Jesus caminhava entre os homens, muitos se aproximaram Dele e foram esses que revolucionaram a História. Quanto mais perto Dele, mais frutíferos eles foram. Nós vemos isso na história dos Doze, por exemplo. Também na de Paulo, que teve tempos e tempos com o Senhor, que apareceu para ele, buscava intimidade. Nós somos chamado para estar perto. É estando perto que descobrimos o que Ele quer que façamos.

Tem muito daquilo que Ele diz para os discípulos: “aquele que quer vir comigo”, “aquele que quer fazer o que eu estou fazendo”, “que quer trabalhar no que eu estou trabalhando”, “negue-se a si mesmo”. Então, “deixe sua vida, tome sua cruz”, numa questão de restauração mesmo, “e siga-me”. Acho que esse é o maior chamado, fazer o que Ele está fazendo. Como saber se eu tenho um chamado? Por exemplo, você ouvir o que Ele disse ali: “Como o pai me enviou, eu vos envio” sabendo que o pai enviou Jesus para remir, para transformar o universo, tudo que é vivo, e reconciliar com Ele. Se Ele nos envia assim como Deus o enviou, então quer dizer que dá o mesmo trabalho para nós. “Eu vos envio para remir o mundo. Encarne a palavra. Que o Verbo se torne carne, em vocês. Que Ele ande entre os homens, que o Verbo se torne a luz dos homens, que o Verbo salgue a terra”. “Que o Verbo vire carne”, que é a questão da intimidade com Ele, da vida com Ele, de ouvir Sua voz e, ao caminharmos, expressarmos a vida Dele.

Que o Verbo se faça carne em nós agora e expresse realmente o Reino de Deus. Que manifeste a justiça e transforme as coisas aqui nessa terra. E que possamos entregar toda nossa vida e morrer por essa mesma causa que Ele morreu: reconectar o mundo ao Pai. Reconectar a História.

Acho que esse é o chamado. Os outros chamados, se você deve ir para o campo missionário, se você vai para algum país ou não, se vai ser na sua cidade ou não, tudo isso é irrelevante para mim. Na verdade, isso é só uma questão de alinhamento local. Mas você pode “fluir” em qualquer lugar. Tanto que Jesus não viajou muito, andou só ali na região de seu país. Durante seu ministério, andou alguns poucos quilômetros, se compararmos com todo o globo. E mesmo assim revolucionou a história. Então, não é muito a questão do lugar, mas a questão do lugar interior, do coração. Nós somos chamados para estar perto Dele.


Agradecemos imensamente ao Guilherme, Nana e Geraldo, pelas entrevistas que nos concederam. Nelas, percebe-se um grande fervor pela vontade de Deus. Veem-se vidas realizadas no caminho de levar pessoas a Ele. As experiências compartilhadas nesta série trazem lições preciosas sobre relacionamento com Deus, confiança e dependência do Senhor. Esses são itens necessários para que Sua obra possa ser realizada. É por estar mais perto Dele que O conhecemos e podemos, verdadeiramente, fazê-Lo conhecido. Que o anseio por nos aproximarmos de Jesus seja forte em nossos corações e assim cada um de nós possa também encontrar-se nos serviços aos quais Ele nos chama.


Entrevistas da série:
O Chamado Missionário (1): Nana Silveira
O Chamado Missionário (2): Geraldo Ribeiro
O Chamado Missionário (3): Guilherme