Já faz alguns dias que tenho passado um tempo olhando para as estrelas. Estou na casa de meus pais, em uma cidade onde posso ver um céu mais estrelado e isso tem me proporcionado algum descanso e reflexões nesses tempos atípicos. Sou agraciado por poder fazer isso durante um evento especial, que, até então, desconhecia: a Chuva de Meteoros Líridas.
“As líridas são pedaços de detritos do periódico Cometa C/1861 G1 Thatcher e são observados há mais de 2.600 anos. Todos os anos, em meados de abril, a Terra encontra o rastro de detritos do cometa, que causa a Chuva de Meteoros Líridas (…)
A constelação em que o radiante [o ponto no céu a partir de onde os meteoros se originam] está localizado dá nome à chuva e, nesse caso, as Líridas parecem vir de um ponto na constelação de Lira” [1]
As Líridas tiveram seu pico na madrugada do dia 22 e a ausência de Lua facilitou vê-las, porque o céu estava mais escuro. [2] Assim, eu, que nunca tinha visto estrelas cadentes antes, fui presenteado com a visão de várias delas (oito, para ser mais preciso), algumas bem impressionantes; pontos brilhantes deixando longos riscos nos céus. Você pode ver algumas fotos aqui. As Líridas podem ser vistas até esta noite e madrugada de sábado (25 de abril de 2020).
Você costuma olhar as estrelas? Eu não tenho esse hábito e imagino que poucas pessoas que conheço o tenham. Penso que talvez percamos muitas coisas pela falta dessa prática tão simples.
Quando era criança, costumava olhar para o céu e sonhar bastante. Lembro dos desenhos animados em que os personagens se deitavam ao ar livre, virados para cima, e ficavam conversando sobre as luzes da noite lá longe. Para as crianças, as coisas mais simples podem ser muito empolgantes. Lembro que, olhando o jardim de casa, eu podia imaginar ali pequenos habitantes, civilizações inteiras, com suas histórias e ocupações. Mas parece que, com a idade, a vida perdeu parte de sua graça.
Agora, olhando os astros à distância de trilhões e trilhões de quilômetros, fico pensando nas belezas e histórias ocultas desses lugares tão inalcançáveis para nós. E logo vêm à mente filmes, como Star Wars e Interestelar. Ficções fantasiosas, obviamente, mas que despertam nossa imaginação para ir além da vida comum a que estamos acostumados. E talvez essa seja uma necessidade nossa. Às vezes nos limitamos a pensar apenas numa versão muito pequena do Universo, isto é, somente as coisas que estamos tendo contato imediato. Aí esquecemos que existe muito mais.
Olhar para os céus nesses dias me fez aquietar a mente até então carregada de informações sobre os acontecimentos atuais, as notícias sobre a pandemia. Pude perceber que, por mais terríveis que sejam as perdas e transtornos que o mundo está sofrendo e por mais incertas que sejam as perspectivas sobre o futuro, existem muitas coisas além disso. Há uma grandeza que mexe conosco de diversas maneiras:
1. Diante da criação, podemos ver quão pequenos somos
De novo, as estrelas estão a distâncias inimagináveis para nós, mas, ainda assim, podemos vê-las. Elas permanecem lá, indiferentes ao que acontece aqui. São um lembrete de nossas limitações. Mesmo com todos os avanços da humanidade, que põe boa parte de sua confiança na tecnologia, nas riquezas ou na política, ela foi pega de surpresa pela pandemia. Este é um momento para nos humilharmos e reconhecermos nossa pequenez.
2. Ao contemplar a Natureza, podemos reconhecer seu Autor e ter esperança
Se, por um lado, vemos as limitações dos seres humanos, por outro, percebemos que existe um poder muito maior do que o que achamos ter. Existe algo além desta vida, e, se alguém não crê assim, onde pode encontrar esperança quando o que há de melhor na humanidade fracassa e a morte chega como fronteira intransponível?
Antes, o Autor que se revela na criação deve ser nossa esperança. E pode parecer estranho falar de ver beleza no mundo, ao mesmo tempo que vemos coisas terríveis nele, e ainda usar isso para falar sobre Deus. Bom, quero falar sobre o que a Bíblia diz sobre esses assuntos.
No relato de Gênesis 1 é dito, após a descrição da criação de cada item, que Deus viu que aquilo era bom. Em outros lugares, as Escrituras dizem que a criação revela a glória de Deus (cf. Sl 19:1-6; Rm 1:19,20). Ao mesmo tempo, vemos que a Criação foi amaldiçoada por causa da queda do homem, e que ela está num cativeiro de corrupção aguardando a consumação da obra de Deus na humanidade redimida (Gn 3:17,18; Rm 8:19-21).
Ou seja, a criação também sofreu as consequências da condenação pelo pecado e, assim, a natureza que vemos está distante do que deveria ser originalmente. Mas, por outro lado, ainda podemos ver a glória de Deus nela. E como isso nos influencia? Ora, se cremos que devemos buscar sempre conhecer mais de Deus, faríamos muito bem em contemplar mais a Sua criação.
A criação fala sobre Deus. E o que ela fala sobre nós?
Ao contemplar as estrelas, me lembrei de Davi fazendo o mesmo. No Salmo 8, ele diz:
“Quando olho para o céu e contemplo a obra de teus dedos,
a lua e as estrelas que ali puseste, pergunto:
Quem são os simples mortais, para que penses neles?
Quem são os seres humanos, para que com eles te importes?
E, no entanto, os fizeste apenas um pouco menores que Deus e os coroaste de glória e honra.
Tu os encarregaste de tudo que criaste e puseste sob a autoridade deles todas as coisas:
os rebanhos, o gado
e todos os animais selvagens;
as aves do céu, os peixes do mar e tudo que percorre as correntes dos oceanos.
Ó Senhor, nosso Senhor, teu nome majestoso enche a terra!”
(Salmos 8:3-9 – NVT).
Ao olhar para os céus, Davi contemplava as obras de Deus e via o nome do Senhor enchendo toda a terra. E ao pensar nos seres humanos, ele se espantava: diante de coisas tão grandiosas da criação, que é o homem, pequeno, como já dissemos, partícula microscópica do Universo, para que Deus pense nele, se importe com ele, chame-o para que O conheça e ainda o escolha como Seu representante e governante sobre a Terra? O ser humano que, além de pequeno, com a queda se tornou pecador e inimigo de Deus.
Ainda assim, esse mesmo Deus, por amor, veio em seu resgate, fez-se ser humano e habitou em nossa pequenez, suportando as dificuldades da vida às quais estamos expostos. Provou a morte que merecíamos, dividindo a história, para ressurgir glorioso, dando-nos perdão e libertação do pecado que contamina o mundo e, por fim, a esperança de estarmos com Ele, ressurretos, livres das dores e enfermidades desse mundo, em Seu governo de paz, para sempre!
Essa é a história da humanidade, contada e realizada por Seu Autor, apontado pela criação. Temos começo, meio e fim. Para ser mais exato, origem, queda, redenção e consumação. Quem crê nessa narrativa tem uma esperança que os outros jamais podem ter. Não sabemos quais coisas vão acontecer, nem o motivo de elas acontecerem. Somos muito pequenos. Temos pouco o que falar diante de muitas situações dolorosas. Mas sabemos onde buscar esperança. E, ainda que sejam tempos como esses, é sempre necessário tê-la e semeá-la. Certamente, é tempo de andar como Cristo andou: em fé, obediência e compaixão por todos. Que Ele, em Sua imensa graça, nos conceda isso.
Olhe para as estrelas, há muito mais para crer, há muito mais para se fazer.
Agradecimentos à minha mãe, que me avisou sobre a chuva de meteoros e ao Hans Zimmer por ter composto a trilha sonora de Interestelar, que ajudou a inspirar essa reflexão.
[1] https://www.nasa.gov/features/watchtheskies/lyrid-meteor-shower-peaks-tomorrow-april22.html