Como vimos no artigo anterior da série, além de ensinar Palavra e de ter dado a Bíblia ao povo alemão em sua própria língua, Martinho Lutero compôs vários hinos e instituiu o canto congregacional. John Julian, em seu Dicionário de Hinologia, disse que Lutero deu aos alemães a Bíblia para que Deus pudesse lhes falar diretamente e os hinos para que o povo pudesse responder-Lhe. Seu mais célebre hino é Ein feste Burg ist unser Gott, traduzido em português apenas por Castelo Forte.
Composto na época considerada a mais sombria da história da igreja, Castelo Forte é baseado no Salmo 46. Com estilo musical que procede do canto gregoriano e muitas hipérboles em seu texto, o hino expressa vigor, ousadia e confiança, é profundo e de beleza singular. O hinólogo Bill Ichter registra que nos anos de tensão da Reforma “Martinho Lutero, em tempos de dificuldades e provações, sempre se virava para seu companheiro Felipe Melanchton e dizia: ‘Vamos, Felipe, cantemos o Salmo 46’, e então cantavam Castelo Forte”.
Em relação ao ano de sua composição há algumas dúvidas, porém a maioria dos hinólogos e o autor do livro Heróis da Fé, Orland Spencer Boyer, acreditam que seja 1521. Foi neste ano que Lutero compareceu à Dieta de Worms para defender suas teses teológicas, após ter sido intimado pelo imperador Carlos V. Havia o risco de que, assim como John Huss, cem anos antes, Lutero fosse condenado e morto numa fogueira. Este era, portanto, para ser um momento de grande apreensão. Contudo o reformador não temeu a própria morte e estava pronto para enfrentar seu julgamento confiante no poder de Deus.
Boyer relatou em seu livro o que aconteceu no trajeto de Lutero a Worms: “Na sua viagem para Worms, o povo afluía em massa para ver o grande homem que teve coragem de desafiar a autoridade do papa. Em Mora, pregou ao ar livre, porque as igrejas não mais comportavam as multidões que queriam ouvir seus sermões. Ao avistar as torres das igrejas de Worms, levantou-se da carroça em que viajava e cantou o hino de sua autoria Ein Feste Burg – Castelo Forte –, que se tornaria o mais famoso da Reforma”.
O poeta alemão Christian Johann Heinrich Heine, disse: “Um cântico de guerra foi este hino, com o qual ele [Lutero] e seus colegas entraram em Worms. A velha catedral tremeu ao som destas novas notas e os pássaros foram espantados dos seus esconderijos nas torres. Este hino, conhecido como ‘A Marselhesa da Reforma’, conserva até hoje o seu poder e poderíamos usá-lo ainda em outro conflito semelhante”.
Castelo Forte tornou-se, mais tarde, o hino da Alemanha protestante, de acordo com a hinóloga Ethel Dawsey. Ele se espalhou por todo o país e até os inimigos de Lutero afirmavam que o povo inteiro estava cantando uma nova doutrina. Anos depois sua melodia foi utilizada por John Sebastian Bach (1685-1750) para criar a cantata BWV 80, em homenagem à Reforma. E no século XIX o compositor Felix Mendelssohn (1809-1847) empregou-a no último movimento de sua Sinfonia nº 5, intitulada A Reforma e considerada uma obra-prima. Hoje, quase cinco séculos após ter sido composto, Castelo Forte é cantado em todo o mundo em diversas línguas. Quando o cantamos louvamos a soberania do Senhor, somos encorajados a prosseguir confiantes em Jesus e reafirmamos nossa esperança, não nesta terra, mas em Seu reino.
O hinário mais antigo no qual este hino aparece é o de Andrew Rauscher (1531), mas é provável que já estivesse no hinário de Wittenberg, de Joseph Klug (1529). Seu título era “Der XXXXVI. Psalm”. Deus noster ref”ugium et virtus. Antes disso pode também ter figurado no Hinário de Wittenberg, de Hans Weiss (1528). No Brasil, está presente em hinários como Cantor Cristão, Harpa Cristã e no hinário da Editora Árvore da Vida, cuja versão segue abaixo.
Hino 416
1 Castelo forte é nosso Deus,
Espada e bom Escudo;
Com Seu poder defende os Seus
Em todo transe agudo:
Pois com furor tenaz
Nos tenta Satanás,
Com ânimo cruel,
Astuto e mui rebel;
Igual não há na terra.
2 A força do homem nada faz;
Sozinho está perdido.
Mas nosso Deus socorro traz
Em Seu Filho escolhido:
Sabeis quem é? Jesus,
O que venceu na cruz,
Senhor dos altos céus,
E sendo o próprio Deus,
Triunfa na batalha.
3 Se nos quisessem devorar
Demônios não contados,
Não poderiam derrotar
Nem ver-nos assustados:
O príncipe do mal,
Com seu plano infernal,
Já condenado está;
Vencido cairá
Por uma só palavra.
4 Que a Palavra ficará,
Sabemos com certeza;
E nada nos assustará,
Com Cristo por defesa:
Se, pois, nos suceder
Família, bens perder,
Se tudo acabar,
E a morte, enfim, chegar,
Com Ele reinaremos.
A experiência descrita neste hino nos encoraja a termos um viver de fé como o autor. Lutero, embora experimentando a fúria tenaz de Satanás, conhecia o Criador e estava convicto de que Deus o socorria e defenderia. Ele sabia que o inimigo já havia sido condenado e derrotado, pois Cristo o vencera na cruz. A fé e a esperança de Martinho Lutero em Cristo e na Palavra, tornaram-no preparado para perder qualquer coisa na terra: família, bens e até mesmo a própria vida. Para ele o mais importante era a vontade e o reino do Senhor.
Amados irmãos, não há nenhuma dificuldade que não possa ser vencida, pois não somos nós a lutar. Deus, com Seu poder, defende-nos. Ele, em Cristo, que já venceu satanás na cruz, socorre-nos. Não nos assustemos com as adversidades, antes, confiemos em nosso Castelo Forte. Lembrem-se de que tudo aqui passará, tanto as alegrias quanto as adversidades, mas a Palavra ficará e os que se mantiverem firmes Nela, reinarão. Sejamos tais quais Lutero.