A imagem cega. Talvez não seja tão fácil identificar isso porque confundimos “perceber uma imagem” com “ver”. Talvez sejam sinônimos para o senso comum, mas para o autor de Hebreus era clara uma distinção quando este fala de Moisés recusando a glória do Egito contemplando algo que era invisível:

“Considerou melhor sofrer por causa do Cristo do que possuir os tesouros do Egito, pois tinha em vista sua grande recompensa. Pela fé, saiu do Egito sem medo da ira do rei e prosseguiu sem vacilar, como quem vê aquele que é invisível” (Hb 11:26-27).

Ali, diante dele estavam, grandes riquezas, beleza, atração palpável. A imagem imediata guiaria à escolha óbvia. Mas ao longe, em algum lugar num horizonte invisível aos  olhos comuns, uma recompensa. Ele opta pela segunda, que não era imperceptível, ou difícil de perceber, ou sutil, era invisível!  Não podia ser obtida pelos olhos. Mas podia ser contemplada, vista. O sofrimento do Cristo, sua recompensa, eram mais atraentes para os olhos do herói da fé do que aquilo que seus olhos primeiro tocaram. Não foi um “não olhar” para as riquezas: Moisés as viu! Ele as conheceu, até as desfrutou enquanto filho da filha de Faraó. Mas ele as trocou por ver algo invisível. Invisível.

Você está cego pela imagem, não pela falta dela. Não percebe o que é real porque contempla com ardor o que é passageiro. A forma o cega, confunde. Você está enganado por aquilo que é transitório porque decidiu se apegar ao que é visível, notório, dotado de imagem. A imagem é seu Deus. Você idolatra a forma, a maquiagem, a beleza, a luz, o jogo de cena, o teatro, a edição, o ambiente controlado para causar impressão visual. E note que “ver”, nesse caso, é mais do que só enfiar informação visual, impulso elétrico codificado para tornar-se imagem na central de processamento de imagem do cérebro, é perceber, é, em inglês, to realize: tomar conhecimento de. Gringos espertos, usaram a mesma raiz da palavra “realizar” latina: tornar algo real, fazê-lo concreto. Por associação direta, perceber, tomar consciência de algo, é tornar isto, de alguma forma, real para você. Aquilo que você percebe se torna a sua realidade. E isso o cegará, se a luz que estiver nos seus olhos for trevas (Mt 6:22-23).

Entenda o que “ver” é na fisiologia humana: a luz existe, está fora de você, e quando toca um objeto é refletida por ele. Seus olhos absorvem este reflexo, e apenas este reflexo. Não é o próprio objeto que é percebido, é o reflexo da luz nele. Se houver uma forma de enganar, tingir, distorcer esta luz, eis os olhos enganados, o cérebro enganado, a mente enganada, uma realidade, um “realize”, um tornar real uma mentira  para sempre. Notifico com tristeza que há inumeráveis formas de produzir este engano. Não acredite no que você vê. Não fique cego pelo que você vê.

Vamos a um exemplo: O culto acontecendo, e sua visão está no guitarrista, na vocalista, na roupa de um ou outro irmão, no timbre do pregador, você “percebe” o tom da música, o arranjo, julga tudo, produz uma imagem no coração ou é enganado por uma que criou no percurso olho – cérebro – mente – coração. A luz nos teus olhos é trevas, seu corpo está todo em trevas. É função do que se conduz à frente da congregação guardar o coração dos que o assistem para que não os induza ao erro, e a lista do que ele pode fazer para isso é grande: não ser exagerado, usar roupas decentes, ser cuidadoso com as formas e símbolos… Porém acusá-los — e só a eles — é uma fuga!

Não pense que a culpa da sua distração é tão somente daquele que produziu uma imagem: é sua! Você é idólatra da imagem, seus olhos são maus. Você é obcecado pelo que enxerga, é escravo do visual, do imediatamente perceptível. Você muito provavelmente nunca seguiria o Cristo encarnado e nem sequer o reconheceria como tal, cego que estaria por sua pobreza, sua feiúra (Isaías 53). Você ouviria sua má fama gritada por aqueles que portavam a imagem e a beleza, os fariseus e saduceus, em pé nas praças, orando para serem vistos pelos homens. Eles teriam sua atenção, roubariam sua visão. Seus olhos não seriam do filho do carpinteiro, do profeta de Nazaré, o cordeiro ferido de Deus. Você seria incrédulo. No dia que ele fosse louvado pela multidão, talvez mudasse de ideia e colocasse suas roupas diante Dele entrando em Jerusalém — certamente um homem aclamado por toda uma cidade em festa produziria tal espetáculo para as trevas de seus olhos. Dias depois estaria gritando: “crucifica-o, crucifica-o”, porque a cidade em polvorosa contra um homem seria o espetáculo para enganar seu coração idólatra de atrações visuais.

A cruz é um espetáculo de escárnio para os olhos dos idólatras da imagem, uma loucura para este tempo obcecado por shows. Você considera a cruz algo belo? Não. Talvez só o espetáculo, portando a falsa cruz, uma cruz dos falsos cultistas de Jesus, que adoram o palco montado em torno do cristianismo, mas não recebem a verdadeira mensagem da cruz: morro para o visível e abraço o que não se pode ver como minha realidade. Vivo pelo que ainda não é, mas que se torna real ao ser contemplado por mim e, com isso, se torna mais real do que aquilo cujos olhos podem imediatamente perceber. Assim, o Reino que ainda não veio já é para os que o contemplam e obedecem, logo, ele é, já está operando. Jesus já reina. Contudo você não pode ver e o que chama de Reino é só uma forma corrompida pelas trevas nos seus olhos.

Faça um teste: sua devoção, por exemplo, ao cantar, é a mesma diante de uma bela banda do que é quando sozinho, só com seu pobre instrumento e voz? Se sim, você pode ter começado a perceber o invisível. Se não, pode ser um idólatra da imagem e seu corpo todo está em trevas.


Texto enviado por nosso amigo David Mesquita, a quem somos muito gratos por todo o apoio que nos concede. Você pode encontrá-lo em:

David Mesquita (YouTube)

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