“E, como aconteceu nos dias de Noé, assim será também nos dias do Filho do homem. Comiam, bebiam, casavam, e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e veio o dilúvio, e os consumiu a todos. Como também da mesma maneira aconteceu nos dias de Ló: Comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam; mas no dia em que Ló saiu de Sodoma choveu do céu fogo e enxofre, os consumiu a todos” (Lc 17:26-29).
Apesar de ser verdade que o pecado e a violência serão cada vez maiores ao final desta era, está evidente, nas Escrituras, que não será especificamente contra tais coisas que a Igreja terá de lutar, mas muito mais com o apelo espiritual nas coisas cotidianas. A questão que Jesus levantou aqui não é que todas essas coisas – comida, casamento, negócios, agricultura e construção – foram características marcantes dos dias de Ló e Noé, mas que, nos dias finais, tais coisas terão uma característica especial. “Assim será no dia em que o Filho do Homem se há de manifestar” (v.30).
As pessoas já deram tanta atenção à boa vida quanto dão nos dias de hoje? Comida e vestuário estão se tornando as principais preocupações dos filhos de Deus – “o que comeremos? O que vestiremos?”. O mesmo é verdade quando o assunto é casamento. Nunca tivemos tantos problemas nessa área quanto agora. Casar-se é algo totalmente sadio e normal em qualquer época, mas, hoje, há um elemento nesse assunto que não é natural. É assim também quanto ao plantar e construir, e quanto a comprar e vender.
Todas essas coisas podem ser perfeitamente legítimas e boas, mas o poder que, hoje, está por trás delas pressiona as pessoas até que elas percam o equilíbrio. Entre em qualquer casa e escute qual é a conversa. Você ouvirá comentários assim: “na semana passada, eu comprei ‘isso e aquilo’, naquele lugar ‘assim e assim’, e economizei muito”. Para muitos, esses assuntos são os que dominam suas conversas. Você precisa perceber como esta situação não é normal! Você não vê que há um poder, aqui, que está escravizando os homens? Essa excessiva atenção ao comer e ao beber, comprar e vender, que caracteriza tantos cristãos em nossos dias, está muito longe de ser normal.
As pessoas estão agindo fora de si. Há um poder que as faz considerar tais assuntos importantes. Essas coisas não são, em si mesmas, pecaminosas, mas simplesmente coisas do mundo. Então, o problema hoje não está tanto na pecaminosidade, mas no mundanismo. Quem ousaria dizer que você está agindo errado quando come e bebe? Quem desaprovaria o casamento? Quem desaprovaria seu direito de comprar e vender? Tais coisas não são erradas em si mesmas; errada é a força espiritual que está por trás delas, a qual, por seu intermédio, faz uma pressão implacável sobre nós.
“Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar em pé diante do Filho do homem” (Lc 21:36). Deus iria nos exortar a vigiar e orar, se não houvesse uma força espiritual contra a qual devêssemos estar prevenidos? Há coisas no mundo que são essenciais à nossa existência. Preocupar-nos com tais coisas é legítimo, mas sobrecarregar-nos por causa delas pode impedir-nos de desfrutar do melhor de Deus para nós.
“Olhai por vós, não aconteça que vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia” (Lc 21:34). A palavra “vida” usada aqui é bios, vida biológica, aparecendo em sua forma adjetiva, biotikos, “da vida”. O Senhor está nos alertando para que não sejamos pressionados excessivamente pelos cuidados dessa vida, que pertencem ao dia presente, com as ansiedades concernentes aos assuntos cotidianos dela, como comer e vestir-se. A Bíblia nos alerta para o fato de que “o reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça” (Rm 14:17), e exorta-nos a buscar primeiro o reino de Deus e Sua justiça, assegurando-nos que todas as coisas nos serão acrescentadas (Mt 6:33). Diz para não andarmos ansiosos com questões de comida e vestuário, pois, se Deus cuida das aves do céu, muito mais cuidará de nós, que somos Seus filhos. Pela nossa ansiedade, poderia até parecer que eles recebem o cuidado de Deus e nós não.
No passado, os filhos de Deus encontraram todo tipo de dificuldades. No entanto, em meio às pressões, podiam olhar para o alto e confiar em Deus. Todavia, nas pressões de hoje, estamos tão confusos e desorientados que parecemos incapazes de confiar nEle. Jovens, percebamos quem somos! Somos a Igreja, a luz do mundo brilhando no meio das trevas. Como tal vivamos aqui. Houve uma época em que a Igreja rejeitava os costumes do mundo. Agora, ela não apenas faz uso deles; abusa deles. É claro que precisamos usar o mundo, pois precisamos dele; porém, que não o queiramos nem o desejemos. O importante é onde nosso coração está. Devemos ter um verdadeiro sentimento de desapego dos nossos bens.
O livro de Apocalipse sugere que Satanás estabelecerá o reino do anticristo no mundo político (capítulo 13), no mundo religioso (capítulo 17) e no mundo comercial (capítulo 18). Nos últimos dois, seu reino aparece sob a figura da Babilônia. A Babilônia parece representar o cristianismo corrompido e é por causa de seu comércio que ela será julgada. Todo o registro do capítulo 18 gira em torno de mercadores e mercadorias. Todos os que choram a queda da grande cidade, lamentam a ideia de que seu comércio repentinamente cessou. É o mercado que faz com que a Babilônia floresça outra vez, e é isso que se lamenta com sua queda. Estamos suscetíveis à Babilônia?
O segredo de manter nossas coisas materiais na vontade de Deus, é mantê-las para Ele. Não é tentarmos nos dispor de tudo, mas é perceber que como filhos de Deus não devemos acumular nada para nós mesmos. Não importa se tenho de deixar dois milhões ou apenas dois reais. O que importa é se posso deixar qualquer coisa sem qualquer tipo de remorso. Quando guardo alguma coisa comigo, é porque Deus assim falou ao meu coração, e se a deixo é pela mesma razão. Mantendo a mim mesmo dentro da vontade de Deus, não há porque temer quando Ele pedir para dê qualquer coisa. Deixo tudo, sem nenhum remorso, quando o chamado vem para deixá-lo para trás. É isso que significa ser desapegado, livre e separado parado para Deus.
Artigo inspirado no livro Não Ameis o Mundo, de Watchman Nee, Editora dos Clássicos (2008).
Artigos da série:
A Mente Por Trás do Sistema – Série “Não Ameis o Mundo” (1)
Tendência Oposta a Deus – Série “Não Ameis o Mundo” (2)
Um Mundo Sob a Água – Série “Não Ameis o Mundo” (3)
Crucificado para Mim – Série “Não Ameis o Mundo” (4)
Diferenciação do Mundo – Série “Não Ameis o Mundo” (5)
Luzes no Mundo – Série “Não Ameis o Mundo” (6)
Desapego – Série “Não Ameis o Mundo” (7)
O Refrigério Mútuo – Série “Não Ameis o Mundo” (8)
Minhas Leis em Seus Corações – Série “Não Ameis o Mundo” (9)
Os Poderes do Mundo Vindouro – Série “Não Ameis o Mundo” (10)